São Paulo (AUN - USP) - Drama da Economia Contemporânea. Ato I: financeirização, desenvolvimento técnico-científico. Desemprego. Greves. Ato II [Perspectivas]: retorno de doutrinas econômicas, ascensão de novos modelos. Diversidade na luta dos trabalhadores. É possível esboçar tal enredo a partir da análise do seminário “Hegemonia, Estado e Trabalho”, promovido recentemente pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Quatro sociólogos revisaram as transformações modernas para poder desenhar um painel provável em longo prazo: Beverly Silver (Universidade John Hopkins - EUA), Ricardo Antunes (Unicamp), Álvaro Comin (USP) e Carlos Eduardo Martins (Cátedra da ONU sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável).
Beverly abordou a financeirização da economia ao referir-se às greves contemporâneas. Apontou a mobilidade do capital e sua “migração” dos setores produtivos como um dos fatores das paralisações. Ricardo Antunes mencionou um aspecto diferente da financeirização global: ela viabilizou alianças entre as indústrias e os novos setores econômicos, das quais surgiram “ramos mistos” – como o agrobusiness e a indústria de serviços. Dessa forma, houve uma expansão do setor industrial.
Acompanharam-na grandes mudanças provocadas pela Terceira Revolução Industrial, que consolidou a tecnologia e a ciência. Técnicas modernas como o just in time foram responsáveis por significativas alterações no processo de produção. A Revolução também fomentou a valorização da subjetividade do trabalhador. Antunes lembra os dizeres de uma fábrica em Nagoya, no Japão: “Bons pensamentos significam bons produtos”. A exploração econômica de habilidades humanas fez com que surgissem expressões como “empregado de alto valor agregado”.
Há contradição entre a imposição da qualificação dos funcionários e o alto índice de desemprego. A questão foi levantada por Carlos Martins, que utilizou conceitos marxistas. A mais-valia, responsável pelo aumento da produtividade, se converte em lucros apropriados pelos donos das empresas. A “valorização” do trabalho choca-se com a necessidade de o sistema capitalista gerar desemprego. O fim do impasse só ocorrerá com a aceitação da queda da taxa de lucro – o que implica uma luta contra a preponderância do pensamento capitalista, travada pelo governo e pela população em suas diversas organizações.
O desemprego foi retomado por Álvaro Comin ao abordar o Desenvolvimentismo e o Cepalismo – para ele, horizontes necessários para a atual conjuntura. As correntes incluem a incorporação das classes populares, por seu compromisso com a democracia. Outro ponto positivo é a atenção ao mercado interno e à indústria nacional, uma das condições da prosperidade econômica.
No caso da indústria brasileira, Comin afirma que ainda há muito a se fazer dentro do modelo fordista. É necessário desenvolver melhor a indústria básica, como a têxtil e a alimentícia; “é uma ilusão achar que temos que investir só em indústria de ponta, como a farmacêutica e a aeronáutica”. Ele lembra que o desenvolvimento do Fordismo no Brasil não ocorreu da mesma forma como na Europa, onde teve grande importância econômica e social.
A combinação entre o Fordismo e o Desenvolvimentismo seria uma opção para a economia brasileira. A última corrente tem papel importante referente à ampliação de indústrias estratégicas. Comin cita o caso da Embraer, que fabrica aeronaves de ponta com peças importadas – mas poderia construí-las também.
Outras visões
Se a proposta de Álvaro Comin engloba teorias econômicas, as perspectivas de Ricardo Antunes e Beverly Silver enfocam ações trabalhistas. O professor acredita na importância da resistência às formas de exploração da subjetividade pelo modelo capitalista. Também expõe que há um conjunto heterogêneo de combates sociais, e exemplifica-o com casos sul-americanos, como os movimentos grevistas no Brasil, as lutas camponesas na Bolívia e os protestos de piqueteiros na Argentina.
Beverly contrastou dois tipos de trabalhadores: o politizado e o Polyani – uma referência à obra de Karl Polyani, que teorizou, entre outros aspectos, a apropriação da terra, sociedade e trabalho feita pelo sistema econômico. Este tipo de trabalhador submete-se às diretrizes de instâncias maiores (o governo, por exemplo), sendo por elas incorporado. Abre-se, assim, caminho para a ascensão de regimes autoritários. Faz-se necessária a conscientização da classe trabalhadora, para evitar a consolidação Polyani.
Carlos Martins apresentou uma perspectiva maior na esfera ideológica. O Liberalismo, doutrina que sustenta o Capitalismo, encontra-se em decadência – em parte, por algumas contradições do sistema, como a que se refere à qualificação do trabalhador e ao desemprego crescente. Tal fato deixará lacunas nesse plano. Restará à esquerda agir com destreza para preenchê-las adequadamente.
China: Socialismo de Mercado
O modelo econômico chinês gerou polêmica entre os debatedores. Carlos Martins defendeu alguns de seus aspectos e tomou-os como exemplos, enquanto Ricardo Antunes e Álvaro Comin criticaram certos pontos.
O “Socialismo de Mercado” desponta como alternativa aos modelos de acumulação de riqueza dos países capitalistas centrais e dos países periféricos. Estes se baseiam na exploração da mão-de-obra e privatização dos lucros, características acentuadas nas nações subdesenvolvidas.
Segundo Martins, os pontos positivos do modelo são a transferência de lucros para a população – representada pelo Estado – e a qualificação da mão-de-obra, decorrente dos investimentos em educação, constituindo um fator de atração de empresas estrangeiras. Ele não considera a superexploração do trabalho característica do modelo.
Antunes alega que o “Socialismo de Mercado” assemelha-se a uma “transição que travou”, e sinaliza para um regresso ao Capitalismo. Comin destaca que o país asiático não é democrático, e que por isso é difícil tomá-lo por base em comparações. Além disso, lembra a desigualdade que pode originar-se das medidas capitalistas e os movimentos políticos que as mudanças no sistema podem implicar.
Martins recorda que, mesmo com tais riscos, a China destaca-se por sua independência da principal potência mundial, os Estados Unidos. Com isso, atua diretamente em uma das frentes de luta do modelo econômico contemporâneo: a que opõe a periferia do sistema ao centro.