São Paulo (AUN - USP) - “É essa a tecla que atira?”. Geralmente, a resposta a essa simples pergunta traz consigo os requisitos necessários para se jogar boa parte dos games de computador. Dispondo de um conteúdo narrativo bastante superficial, os jogos convencionais de ação em primeira pessoa resumem-se muitas vezes ao chamado point and shoot (mirar e atirar), valorizando mais a destreza e a prática do jogador do que a construção artística e poética do enredo do jogo.
O contraponto deste panorama está atualmente em foco nos estudos do núcleo de pesquisas em Poéticas Digitais da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). A tentativa de produzir um game que alie arte e entretenimento, tendo como pano de fundo uma narrativa e um contexto familiar ao público brasileiro, é coordenada pelo professor Gilberto Prado, e o projeto leva o nome de “Cozinheiro das Almas”.
O objetivo principal do estudo é aliar no jogo um ambiente de ação interativo a uma narrativa historicamente fiel, e ao mesmo tempo questionar e explorar esses limites entre narratividade e interatividade. Como resultado, espera-se produzir um jogo que traga elementos que “gerem tensão e criem ruídos tanto ao jogador convencional, quanto no freqüentador de espaços de arte”, afirma Prado.
A tentativa de ambientar um jogo em um local conhecido de seu público (a São Paulo de 1918) torna-se um importante diferencial nesse mercado, mas constitui também um grande desafio. É aí que percebemos com maior clareza o caráter científico do game. Para retratar esse ambiente da forma mais fiel possível, torna-se necessária uma profunda pesquisa histórica, envolvendo arquitetura, vestuário, adereços, e personagens.
Contudo, mesmo fundamentado historicamente, o grupo ressalta que o jogo é ficcional. Mesmo quando baseado em plantas, os ambientes do jogo são visitados e trabalha-se com a interpretação visual dessa realidade.
Cozinheiro das Almas
A trama baseia-se no diário da garçoniere (um quarto particular que os homens mantinham para encontrar com suas amantes) mantido por Oswald de Andrade entre 1918 e 1919, intitulado “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”. O jogo tem inicio no centro da São Paulo contemporânea, mais especificamente no local aonde foi a garçoniere de Oswald (na Rua Líbero Badaró, 67, 3º andar), que, assim que o jogador entra no prédio, implode e o joga numa viagem no tempo de volta a São Paulo pré-modernista de 1918.
O jogo se passa no decorrer de um dia, e em dez cenários (a própria garçoniere, o Teatro Municipal, a casa de um barão na avenida Paulista, a Escola Normal, o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, um bonde, uma loja, um quarteirão pobre no Brás, uma prisão, e a Assembléia Legislativa), e constitui-se em um labirinto espacial temporal, já que o jogador pode cair em qualquer ambiente e em qualquer período do dia.
Para aumentar o realismo e a imersão do jogador, o game deve dispensar recursos visuais como barras de energia, pontuações, placares. O grupo estima que o game tenha alguns ambientes jogáveis dentro de seis meses.