São Paulo (AUN - USP) - Terapia comportamental cognitiva – o nome pode parecer desconhecido e até complicado, mas é muito familiar aos profissionais da saúde, ao menos àqueles que vêem, nessa terapia, um grande aliado na busca pelo estado de plena saúde física e mental do indivíduo. Desenvolvida em 1956 por Aaron T. Beck, ela surgiu como uma psicoterapia breve para curar a depressão. Hoje em dia, suas aplicações são bem mais amplas – pesquisadores da atualidade estudam, por exemplo, o seu uso no tratamento da ansiedade. Há também importantes estudos sobre a eficiência da TCC em casos de dores crônicas. Com essas finalidades, ela vem sendo praticada em consultórios e clínicas ao redor do mundo.
Segundo o professor Francisco Lotufo Neto, da Faculdade de Medicina da USP, o modo como nos sentimos recebe influência direta do modo como estruturamos nossas experiências, ou seja, de como interpretamos as situações do nosso cotidiano. Para exemplificar, Neto pediu para seu público, no seminário Contribuição da terapia comportamental cognitiva na saúde, imaginar como cada um se sentiria caso alguém trombasse com ele no metrô. O professor questiona se esse sentimento não seria diferente caso soubesse que essa pessoa era cega. Isso ilustra o quanto nossos sentimentos variam de acordo com a maneira que encaramos um fato. A cognição, que é justamente esse estilo de pensar, é desenvolvida em cada um de acordo com regras e crenças aprendidas ainda durante a infância.
Quando há algum distúrbio nesse modelo cognitivo, o indivíduo passa a apresentar problemas sociais. Nessas situações, a TCC pode estimular o paciente a fazer uma alteração em seu modelo cognitivo, para que ele possa lidar melhor com as situações e conviver mais harmoniosamente com a sociedade e consigo mesmo. Uma pessoa depressiva, por exemplo, costuma atribuir todos os problemas a si próprio, interpreta ou antecipa os eventos negativamente, generaliza as situações para o lado negativo e é radical nessas generalizações.
Para interferir num quadro psicológico como esse, o terapeuta segue os seguintes passos: educa o paciente sobre o modelo cognitivo, faz com que ele identifique os pensamentos automáticos negativos, estimula a análise desses pensamentos e a substituição deles por pensamentos realistas.
A TCC também tem grande eficácia no tratamento da ansiedade, segundo a pesquisadora Mariângela Gentil Savoia. Esse sentimento, segundo ela, é um legado evolutivo e é uma experiência universal na espécie humana. Ela faz com que a pessoa aumente o grau de vigília e evite o perigo próximo. No entanto, quando é anormalmente elevada, ela é extremamente prejudicial à vida social do indivíduo. Existem dois tipos de transtornos ansiosos: a ansiedade tônica, quando ela é generalizada, e a ictal, que é deflagrada por uma situação específica. A especialista sugere que o que vem se mostrando mais eficiente é o tratamento medicamentoso combinado com o psicoterápico – é aí que entram as técnicas da TCC. No caso específico da ansiedade, ela propõe que haja, no tratamento, uma interação entre o paciente e o ambiente externo. Como exemplo, ela cita um paciente que tem medo de andar de metrô. Nesse caso, uma opção é que o terapeuta, além dos outros procedimentos da terapia, também faça uma visita ao metrô junto com o paciente.
A dor crônica também pode ser amenizada com a TCC. Foi o que defenderam Lee Beeston e Michael Nicholas, pesquisadores da Universidade de Sydney que também participaram do seminário. Numa introdução sobre o significado da dor, Nicholas afirmou que a dor não é apenas fisiológica, é também psicológica. Segundo ele, os mesmos princípios que hoje se aplicam à dor, antes eram usados para distúrbios mentais. Mas nem sempre a compreensão da dor se deu dessa forma. O modelo tradicional da dor, instituído no séc. XIX seguia a lógica de que toda a dor tinha como causa um ferimento. Se acabarmos com a causa dessa dor, cessa também a dor e seus impactos.
Esse modelo não funciona, porém, nos casos de dor crônica. Pesquisa realizada na Austrália constatou que parcela significativa da população apresenta esse quadro. Dessa parcela, 40% disse que essa dor não tinha influência alguma em suas atividades diárias. A conclusão é que a dor crônica é muito comum e as pessoas aprendem a conviver com ela. Em outras observações, o professor constatou que alguns pacientes que haviam padecido de graves queimaduras relataram não ter sentido dor alguma por cerca de até 20 minutos após o acidente. Esses dados reforçaram para o professor o caráter psicológico da dor, e assim fez com que ele pensasse na TCC como tratamento. A respeito disso, escreveu o livro Manage your pain, que tem como co-autora Lee Beeston.
Esses foram assuntos abordados no seminário realizado no dia 18 de novembro na Escola de Enfermagem da USP. Por meio dele, ficou evidente a crescente importância da TCC na saúde das pessoas. Lee Beeston também enfatizou a formação da enfermeira em TCC, já que o público era formado, em sua maioria, por estudantes e profissionais da área de enfermagem. O seminário foi um evento importante, tanto pela pertinência do tema, quanto pelo time de palestrantes que contou com dois convidados estrangeiros, especialistas no assunto.