As obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte são mais uma vez questionadas pelo seu impacto socioambiental. Um estudo do Instituto de Geociências (IGc/USP) sobre a formação de ilhas no Tabuleiro do Embaubal, no rio Xingu, Pará, indica que as praias de desova de tartarugas-da-amazônia serão afetadas pela usina. A principal causa é a retenção de sedimentos pelas barragens, como explica o mestrando Diego Fróes e Souza em sua pesquisa.
O Tabuleiro do Embaubal é um arquipélago fluvial com aproximadamente 70 ilhas, numa área de 133,01 km² localizada próximo aos municípios de Altamira e Vitória do Xingu. De agosto a outubro, durante sua estação mais seca, as praias da região são berço de quelônios: cerca de 20 mil tartarugas fêmeas adultas vão até lá para a desova, percorrendo centenas de quilômetros desde regiões do Baixo e foz do Rio Amazonas, de acordo com Cristiane Carneiro, bióloga e doutoranda da Universidade Federal do Pará (UFPA). Além das tartarugas-da-amazônia, o tracajá e o iaçá são outras espécies que usam essas praias para nidificação (construção de ninhos).
Para que as praias continuem existindo, devem receber constantemente areia dos trechos do rio à montante do Tabuleiro. Com as barragens de Belo Monte, que estão a cerca de 32 quilômetros do arquipélago, parte dessa areia ficará contida. Isso impede que novas praias se formem e acelera a estabilização, processo natural que consiste na ocupação da areia pela vegetação pioneira (vegetação que primeiro ocupa o solo), de espécies de gramíneas, arbustos e árvores.
O estudo observou que a composição das ilhas é, em sua maioria, uma camada de areia sobreposta por uma de argila cinza claro de espessura variável. A evolução do arquipélago também foi analisada: “a maior parte das ilhas são geologicamente muito recentes pois foram depositadas há menos de mil anos, sendo que todas elas possuem menos de quatro mil anos”, concluiu Souza. As ilhas ainda estão em processo ativo de formação e crescimento, principalmente ao norte do Tabuleiro, onde ficam as praias de desova das tartarugas.
Para a datação, foi usado o método de Luminescência Opticamente Estimulada (OSL, na sigla em inglês), que é capaz de definir a última vez que os grãos de areia tomaram luz direta, ou seja, quando foram depositados e soterrados.
Cenários futuros
A Hidrelétrica de Belo Monte está sendo construída desde 2011 e, segundo o Norte Energia, consórcio responsável pela usina, chegou a 70% de conclusão no final do ano passado. A data prevista para início do funcionamento é 2016 e, em 2019, deve ter todas as turbinas em operação.
Nos últimos anos, uma redução no número de praias já foi notada pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN-Ibama), que possui uma base no local especialmente para proteção das tartarugas. Para amenizar a situação, ele tem construído praias artificiais com areia dragada do leito do rio. Porém, isso trouxe um novo problema: a diferença na granulação da areia aumenta a temperatura e faz com que nasçam mais fêmeas do que machos. "Desde 2007 a razão sexual dos filhotes de tartaruga-da-amazônia é desviada para a produção de fêmeas", aponta Carneiro.
Além de por em risco a formação de praias, Belo Monte também pode movimentar mais embarcações pelo Baixo Xingu e intensificar a presença humana, à qual as tartarugas são sensíveis. Elas já têm sofrido com o comércio ilegal.
Diante desse quadro, segundo Cristiane Carneiro, as tartarugas devem procurar outros lugares para a nidificação.
No relatório de impacto ambiental de Belo Monte, de 2008, as consequências da retenção de sedimentos foram citadas, mas negadas: o Tabuleiro ficou sob a classificação de Área de Influência Indireta, da qual Souza discorda. “A influência no ambiente de sedimentação das praias será reflexo direto da construção da barragem”, contesta ele. Não há explicações, no relatório, de que a dinâmica sedimentar não será alterada.
Outra crítica levantada por ele é que o texto previa medidas de compensação, muitas das quais deveriam ter sido tomadas antes do início das obras e que não foram cumpridas, como estudos aprofundados. “Agora o que nos resta é apenas traçar impactos”, diz. Sua pesquisa se junta a outras que procuram trazer mais informações sobre a sedimentação da Amazônia e a biodiversidade do Xingu.