São Paulo (AUN - USP) - “A imprensa não contribui para estimular a memória das pessoas”. Essa é a postura de Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas (Sinjor) em 1975. Ele e Sérgio Gomes, fundador da Oboré, participaram do debate “Vlado assassinado: o que mudou no jornalismo e na democracia brasileira?”, realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA), em ocasião dos 30 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Os outros dois convidados - Dalmo Dallari, jurista, e Georges Bourdokan, da Caros Amigos - não puderam participar do evento.
Sérgio Gomes abriu a noite do dia 21 contextualizando a Ditadura Militar (1964 – 1985) e o papel do sindicato nessa época. Segundo o jornalista, a cidade de São Paulo ficou sem o apoio de uma instituição sindical durante muito tempo. No começo dos anos 70, Sérgio envolveu-se no Movimento de Fortalecimento do Sindicato (MFS), que teve seu expoente máximo justamente após a morte de Herzog. O fundador da Oboré, que também ficou preso durante alguns dias, atribui ao Sindicato o fato de não ter morrido naquele período.
Na noite do dia 24 de outubro de 1975, Vlado foi ao prédio do Doi Codi, zona sudeste de São Paulo, para prestar esclarecimentos sobre sua atividade política. Foi a última vez que foi visto com vida. Ligado ao PCB, o jornalista era na época diretor de jornalismo da TV Cultura. Depois de fechar o jornal noturno da emissora, foi ao prédio "dar explicações". Seu corpo foi apresentado à imprensa pendurado em uma grade pelo pescoço por um cinto no dia seguinte. A grade era mais baixa que a altura do jornalista. Mesmo assim, a versão oficial era de suicídio. O suposto crime cometido pelo poder público gerou indignação entre opositores do regime militar.
Dantas contou que, após a tragédia, as redações começaram a sentir necessidade de um órgão que protegesse os profissionais. A reação da população civil também cresceu vertiginosamente, já que, antes, acontecimentos desse tipo não eram levados à opinião pública. De acordo com o ex-presidente da Sinjor, 8 mil pessoas compareceram ao enterro de Herzog, apesar das barreiras policiais.
Foi levantada pela platéia a questão de que muitos responsáveis pela morte de jornalistas na época da ditadura estão ainda em cargos importantes no Brasil. Sérgio explicou que o governo adotou na ocasião um método chamado AVAD – Ação Violenta com Alvo Definido, que consiste na eliminação dos agentes multiplicadores, ou seja, dos líderes do movimento de oposição, ao contrário de regimes ditatoriais de parte da América Latina, onde a matança era generalizada. Para Sérgio, os casos foram se diluindo com o tempo devido ao alto crescimento vegetativo do país. Audálio lembrou ainda que as grandes corporações estão nas mãos de famílias que representam a classe dominante, e que não é interessante para ela tocar em certos assuntos, como a sua postura conivente em relação ao período da Ditadura Militar.
Para citar um exemplo recente, Sérgio Gomes comenta que o Ato Inter-Religioso em Memória de Vladimir Herzog Pela Paz e Direitos Humanos, que aconteceu no último dia 23 foi tratado com desdém pela grande mídia. Ambos criticam também o sigilo eterno a que está sujeita grande parte dos documentos referentes à ditadura.
Outro ponto analisado pelos convidados foi o esvaziamento do movimento sindical. Sérgio atribui esse refluxo à “pelegada de esquerda”, que acaba afastando muito profissionais. “No período anterior ao assassinato de Vlado, o que assustava era a pelegada de direita”, completa.
Com ou sem o suporte de um sindicato, ambos concordam que a democracia hoje está bem mais fortalecida do que há tempos atrás, apesar de suas falhas. Entretanto, Sérgio identifica um problema que parece ser bem mais marcante hoje do que na época da ditadura. Para ele, os jovens jornalistas sofrem atualmente de um complexo de “supervalorização do elefante inimigo”, nutrindo um sentimento de impotência que pode ser identificado como “consciência infeliz”. “A esquerda parece cada vez menos acreditar em sua causa. Precisamos ter a coragem e a lucidez para examinar as deficiências e identificar os meios pelos quais podemos saná-las. Nós ocupamos todos os espaços, fazemos mal feito o que podemos fazer. Precisamos desenvolver, além de senso crítico, o senso criativo”, diz o jornalista.