Um estudo desenvolvido na Escola de Comunicações e Artes da USP revelou que os jornalistas têm a saúde física e mental prejudicada por conta da maneira como a atividade se organiza e pela precarização das condições de trabalho. Ao mesmo tempo, o reconhecimento da profissão e de sua importância para a sociedade faz com que o trabalho também seja fonte de prazer. A pesquisa faz parte da tese de doutorado da jornalista Cristiane Reimberg.
Para fazer a pesquisa, Cristiane entrevistou 21 jornalistas com idade entre 25 e 82 anos, que trabalham ou trabalharam em grandes veículos ou na mídia alternativa. Eles responderam um questionário sobre suas experiências pessoais com o jornalismo, principalmente com relação à organização do trabalho e o sentido da profissão.
A pesquisadora destaca que, nas entrevistas, ficou claro que a atividade jornalística gera muitos sofrimentos, tanto físicos quanto emocionais, decorrentes da pressão e da carga de trabalho. Os principais problemas relatados pelos entrevistados foram insônia, dores de cabeça e nas costas, além de lesões por esforço repetitivo. Outros problemas incluíram estresse, alcoolismo, uso de drogas, síndrome do pânico e sintomas de depressão. O próprio ato de escrever foi descrito como um sofrimento, devido à falta de tempo para apurar os fatos e trabalhar na qualidade estética do texto.
As maiores queixas vieram dos jornalistas com menos de 45 anos, já que muitos deles ainda não possuem uma carreira consolidada. De acordo com a pesquisa, muitos desses jornalistas sequer possuem registro em carteira. Em vez disso, são contratados como prestadores de serviço, o que permite que a empresa contratante ‘drible’ a legislação trabalhista. “Esse tipo de serviço prevê uma maior flexibilidade dos horários de trabalho, mas, na prática, os jornalistas são obrigados a 'bater cartão' todo dia”, explica a pesquisadora.
Ao contratar os profissionais dessa forma, as empresas podem fazer com que eles trabalhem muito mais do que as sete horas diárias e não recebam da maneira prevista em lei. “Os jornalistas chegam a fazer plantões por 12 horas por vários dias seguidos sem ganhar folga ou receber pelas horas extras”, ressalta a pesquisadora. Com essa enorme carga de trabalho, os jornalistas acabam por ter a saúde afetada, desenvolvendo problemas como os citados nas entrevistas.
O amor pela profissão
Por outro lado, a pesquisa também mostrou que os jornalistas usaram muito as palavras “gostar” e “amor” para se referirem à profissão. “A ideia de que o jornalismo é muito importante para a democracia, atendendo ao direito à informação, faz com que os jornalistas se sintam reconhecidos, e parte do sofrimento é transformado em prazer”, explica a pesquisadora. Além disso, a identificação com o veículo em que atuam também contribui para o prazer do trabalho. O grande problema, segundo Cristiane, é que devido a esse amor à profissão e ao medo das demissões em massa, os jornalistas aceitam a precarização do trabalho e abdicam da luta por melhores condições.
Essa transformação do sofrimento gerado pelo trabalho em prazer quando o profissional se sente reconhecido faz parte da teoria da "Psicodinâmica do Trabalho", elaborada pelo francês Christophe Dejours, referencial da tese de Cristiane Reimberg. A jornalista atua na Fundacentro, instituição do Ministério do Trabalho onde aprofunda a pesquisa iniciada no doutorado.