ISSN 2359-5191

18/06/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 52 - Sociedade - Faculdade de Educação
Convênios com fundações privadas desvirtuam função social das universidades
Ao atuar em universidades públicas, entes privados podem fazer com que pesquisa se volte a fins particularistas
A precarização da estrutura foi uma das pautas da greve ocorrida nas universidades estaduais paulistas em 2014. Na foto, professores e alunos da Unicamp protestam contra corte de gastos. Crédito: Fernando Pacífico/G1 Campinas

Uma universidade pública e autônoma deve se basear no príncípio constitucional de indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Sua função é produzir conhecimento novo e socialmente referenciado, voltado para os grandes problemas nacionais. Contudo, a presença de entes privados nesse espaço pode fazer com que os projetos universitários se voltem para interesses particularistas. Na tese Universidade pública e fundações privadas: a hegemonia privatista na produção do discurso e na apropriação dos recursos, defendida pela Faculdade de Educação (FE) da USP, a pesquisadora Giovane Ramos aponta uma série de problemas e incoerências nos convênios e contratos celebrados entre universidades e fundações. “A função social da universidade pública tem sido reconfigurada diante da atuação das fundações privadas”, argumenta.

A pesquisa mostra que fundações privadas de apoio têm funcionado como intermediárias de recursos, de modo que verbas estatais ou de empresas são repassadas primeiro às fundações e não diretamente às universidades. Segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas, fundações privadas receberam R$1,4 bilhão só do governo federal entre janeiro de 2013 e julho de 2014. Tais instituições são classificadas como Organizações Sociais (OSs), e assim, elas seriam diferentes de entidades  como a Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) ou a Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), agências públicas de fomento à pesquisa que, embora disponham de autonômia administrativa, são diretamente ligadas ao Estado.


Expansão das universidades não acompanhou investimentos recebidos

De acordo com a pesquisadora, as fundações privadas, assim como as demais OSs, ganham força sob um contexto de parcerias público-privadas, como forma de combater uma suposta ineficiência da burocracia pública, nos processos de compra e de utilização dos recursos públicos. Classifica-se como OS qualquer entidade que preste ao Estado algum tipo de serviço social, como saúde, cultura, ciência, esporte e educação.  Sua criação faz parte do pacote de medidas do Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRE)  do governo Fernando Henrique Cardoso (1994 - 2002). Um de seus pontos foi a lei 9.637, de 1998, que passou a considerar os serviços sociais como atividades não-exclusivas do Estado, e portanto, passíveis de serem prestadas em parceria com instituições privadas, sob a égide de um “Contrato de Gestão”. É o caso das fundações privadas.

Assim, a professora ressalta que, num cenário de precarização do Ensino Superior público, com cada vez menos verbas sendo destinada às universidades, a atuação dessas entidades aumentou. Durante os anos que se seguiram, nos governos de Lula (2002 - 2010) e Dilma Rousseff, políticas de expansão do Ensino Superior — como o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e o processo seletivo unificado via Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) — acentuaram ainda mais os problemas financeiros das universidades Públicas Federais. O mesmo se aplica às instituições estaduais: entre 1995 e 2012, o número de alunos matriculados nos cursos de graduação da USP aumentou 77,6% (embora o repasse tenha se mantido nos 9,97% do ICMS arrecadado pelo Estado de São Paulo). “Esse contexto de arrocho salarial e de verbas menores contribuiu para que muitos professores achassem que a fundação é uma salvação”, afirma Giovane.

Segundo a pesquisadora, a dependência criada em relação ao financiamento privado acaba por minar a autonomia universitária. “A autonomia tem sido destruída dia a dia, e as fundações têm tido um papel preponderante nesse sentido”, diz. Ela reitera que a natureza privada desse tipo de financiamento dá às universidades um caráter privatista, ainda que elas continuem sendo, em tese, públicas. “Eu não preciso colocar uma placa na frente da universidade falando que ela foi privatizada: o PDRE,  todas as legislações subsequentes, além das demais forças sociais interessadas, fizeram com que as práticas dentro da universidade assumissem uma perspectiva gerencial”.


Pesquisa para quem?

O recebimento de recursos privados permite que as fundações também atuem como facilitadoras no contato entre a universidade e empresas. Contudo, essa aproximação pode fazer com que grandes corporações se utilizem de material físico e intelectual das universidades visando a benefícios próprios — muitas vezes, auxiliadas pela própria universidade nesse processo.

Um exemplo é o caso das instituições de ensino em relação à inovação (termo que significa aperfeiçoamento de algum produto, processo ou serviço).Giovane afirma que a inovação é, tradicionalmente, uma função a ser desenvolvida dentro das próprias empresas, e não em uma universidade. Para ela, essa forma de atuação faz com que as universidades trabalhem para os interesses das corporações financiadoras. “A universidade passa a ser uma prestadora de serviços”, afirma. “É muito mais barato para as empresas, sob as bençãos do Estado, utilizar o espaço universitário: economiza-se na criação de laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento e em pessoal qualificado”.  

Outra questão relativa a atuação de empresas em universidades é um possível desvirtuamento da autonomia das pesquisas, uma vez que a iniciativa privada não colocaria recursos em projetos que porventura sejam contrários a seus serviços. A professora explica que, dessa forma, a universidade acaba praticando uma “ciência interessada”, que não defende o bem-estar da sociedade como um todo. “A presença de uma empresa no financiamento da pesquisa modifica o sentido dessa pesquisa”, diz.

 

Financiamento de pesquisas por fundações privadas podem afetar autonomia científica. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Além dos questionamentos políticos e acadêmicos que envolvem o convênio entre fundações e universidades, tais parcerias também ainda carecem de transparência, pois como as OSs são privadas, torna-se mais difícil fiscalizar seus gastos, embora o Tribunal de Contas da União e a Corregedoria Geral da União realizem auditorias.

Giovane também ressalta o conflito de interesses relativo a professores que atuam paralelamente nas universidades e em fundações privadas — uma vez que estas oferecem cursos pagos que chegam a ter como sede o próprio campus da universidade.

Dessa forma, a pesquisadora completa que, embora os defensores das fundações aleguem a agilização dos processos burocráticos e melhora nas condições de infraestrutura das unidades, esse tipo de convênio não condiz com a função social das universidades públicas. “Prestação de serviços, cursos pagos, massificação, intensificação do trabalho docente: é essa a função social da universidade?”, questiona.

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