ISSN 2359-5191

26/06/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 58 - Educação - Escola de Comunicações e Artes
Estudo mostra influência da indústria cultural no ensino de música no Brasil
Fragmentação excessiva, execução mecânica e especialização precoce são alguns dos problemas

No ano passado, em sua tese de doutorado, Cristina Moura Emboaba da Costa Julião de Camargo estudou a educação musical brasileira levando em conta dois de seus aspectos principais o desequilíbrio entre a teoria, a prática e a autoria (poiésis) e a influência da indústria cultural no ensino de música além da relação entre eles.

A autora propõe, então, como alternativa ao modelo atual, uma educação que estabeleça interação dialética entre o teórico, o prático e o autoral e que aborde a música de maneira holística não se restringindo à sua faceta popular ou de concerto e sem fragmentá-la de uma forma que subestime o todo, mas, pelo contrário, utilizando-se do todo para entender as partes e das partes para entender o todo e também as próprias partes.
 

O problema


A educação musical no Brasil tem se restringido à
práxis. Dá-se importância única e exclusivamente à execução perfeita, virtuosa e mecânica da música, sem que se considerem nem seu autor, nem seu contexto, nem sua razão de ser.

Entre as causas dessa situação estão a preponderância da indústria da cultura, observada pela acomodação da arte como mera manifestação cultural (perdendo, portanto, sua função original de contestar, inventar, chocar, inovar, provocar reflexão, libertar, emancipar) e a exclusão no currículo escolar das disciplinas de filosofia, da arte e da música ocorrida no início da década de 1970.


As raízes


No Brasil, observou-se, a partir de meados dos anos 80, uma crescente massificação e capitalização das obras de arte. Durante o regime militar (1964-1985), os artistas brasileiros tiveram sua liberdade de expressão cerceada, e, consequentemente, a música do país sofreu alterações.

Com a abertura política, veio também a abertura cultural e os primeiros traços do que se tornaria a influência da globalização no Brasil. Assim, não só as músicas internacionais (em especial dos Estados Unidos), como também o modelo da indústria fonográfica mundial encontraram espaço em território brasileiro.

O carater estético (do grego aisthetiké = percepção, sensação) musical foi gradativamente substituído pelo anestésico (ou seja, a não-percepção, a não-sensação). Isso porque, a partir do momento em que um tipo de música adquiriu sucesso no mercado e que tal desempenho foi percebido, comercializava-se somente ele, em detrimento dos demais.

Dessa maneira, houve uma inversão da relação produção x consumo no âmbito musical. Se antigamente o sucesso de um artista era determinado por sua produção (sendo, por isso, sua obra “consumida” - ou seja, ouvida - ou não), a partir de então, uma obra só é produzida se for ser consumida (o que, justamente por causa dessa mesma inversão, é facilmente previsível) e, só nesse caso (devido ao monopólio da indústria cultural e fonográfica) obtém sucesso.

As transformações observadas nesse período atingiram a sociedade e, consequentemente, a educação (que é essencialmente mimética com relação à sociedade, por estar nela inserida e a ela servir). Portanto, quando a música (ou a arte como um todo) não está completamente ausente dos ciclos fundamental e médio, perde sua função primordial na formação do indivíduo por sujeitar-se às determinações do mercado.


Possíveis soluções


Cristina explica que medidas precisam ser tomadas em três instâncias:

No âmbito institucional:  Optar “por uma formação que se fundamente na apreciação, interpretação e compreensão da obra de arte não promover e nem estimular a especialização precoce do aluno.”

No curricular: “A construção de um currículo musical onde o estudo das diversas poéticas musicais da história da música funcionaria como um eixo sincronizador, ao redor do qual as disciplinas desenvolveriam seus conteúdos, de forma interativa, complementar e dialética.”

E em termos pedagógicos: “Os docentes deveriam planejar suas aulas contemplando a interação e a alternância das atividades da poética, práxis e teoria em cada conteúdo ministrado [e] pensar cada aula como uma obra de arte, isto é, contemplando os princípios poéticos da repetição, contraste e variação na construção dos conceitos.”


A realidade


No entanto, é bastante improvável, na prática, que se apliquem todas as soluções apresentadas, a curto e talvez até a longo prazo.

No entanto, como afirma Cristina, “as utopias valem para nos mostrar possíveis direções, e por mais irrealizáveis que pareçam ser, geram em nós uma investigação (indagação) dialética, isto é, que não se satisfaz apenas com a visão unilateral de um determinado ponto, mas que considera, criticamente, também o seu ‘contraponto’ inevitável, levando-nos assim, entre outras coisas, a uma resistência filosófica à esta semiformação"  conceito de Adorno ("Halbbildung"), que traduz a fragmentação e a desintegração da formação  "tornando-a ineficiente.”

Cristina inclusive aponta dois dos problemas encontrados na transposição das soluções propostas para a realidade, como exemplo: o excesso de alunos e a precariedade na estrutura física.

Mas conclui: “Portanto, desde a escolha filosófica da instituição à atuação do docente na sala de aula, as atividades musicais da poética, práxis e teoria são alternativas que promovem uma formação musical liberta dos padrões da indústria da cultura que vigoram em nossa sociedade.”

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