ISSN 2359-5191

06/01/2006 - Ano: 39 - Edição Nº: 23 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Grupo de pesquisas discute relações entre biopoder e mídia

São Paulo (AUN - USP) - “Eu escolho a Matrix. Vou voltar a dormir. Quando acordar, não me lembrarei de nada”.A frase dita no primeiro episódio da série “Matrix”, indicando a necessidade de fuga de uma realidade insuportável, foi usada pelo psicanalista Raul Pacheco (PUC –SP), para ilustrar o modo como a mídia constrói os super-remédios e o conceito de saúde. Esse foi o tema do debate mais recente sobre mídia semanal ocorrido no auditório Freitas Nobre, da Escola de Comunicações e Artes – ECA/USP. As contradições, a publicidade explicita nas capas e o uso de uma retórica apelativa foram os tópicos abordados.

Segundo Pacheco, a apreensão da realidade não é neutra, imparcial, e sim construída ao longo do processo de educação. As ideologias oferecem substratos sobre os quais construímos a nossa realidade; através do surgimento de “epidemias de doenças mentais”, a mídia nos leva a apreender o que é saúde e doença, e como lidar com elas, sem relatar qual sua origem, sob a vaga alegação de que possuem causas “genéticas”.

Existe uma dimensão ideológica com relação à abordagem de medicamentos na mídia, traduzida pelo que se conhece atualmente como “biopoder”. A idéia de que há um gerenciamento das questões relativas à saúde e à doença implica nessa dimensão, citada por Vladimir Safatle (Filosofia – USP). Ele diz que há vários tipos de ação na base constitutiva dessa ideologia, como: a vitimização do corpo e da alma, o esvaziamento da dimensão social dos sintomas, a idéia da sociedade de risco e o discurso de insuficiência da medicalização.

Insiste-se que o individuo é vítima de um estado no qual é o corpo que decide e se impõe; é um discurso que articula o imaginário de forma a entender que nada é imputável ao sujeito – antes, ele é alvo de fatores externos e internos. Portanto, a psique, fragilizada em sua impotência, também necessita de cuidados. Por outro lado, a consolidação em torno de temas como depressão e síndrome do pânico, na década de 90, contribuiu para o esvaziamento de sua discussão, hoje repleta de contraditórios. Na ausência de um padrão de conduta estabelecido, tem-se proliferação de discursos monolíticos, ou seja, que administram seu próprio modo de negação: vive-se numa sociedade de risco, mas há meios para se proteger, restando sempre dúvidas sobre a eficácia desses últimos.

O Espírito do Tempo

O desejo pela sensação subjetiva que uma droga pode causar é incentivado por meio de uma retórica bíblico-salvacionista, na qual a “experiência de conversão”, através dos remédios, é o principal mote. O psicanalista clínico Christian Dunker (Psicologia – USP) fala sobre a relevância de uma hierarquia de autoridade nas matérias, que vai desde a confiança do leitor no meio de comunicação até os argumentos de especialistas e institutos renomados, em contraposição à insegurança instalada pela “retórica da suspeita”, calcada na ineficácia das políticas públicas. Ele fala que a construção dos “super-remédios” começou na década de 80, quando periodicamente se “descobria” que a esquizofrenia tinha origens genéticas – fato hoje ainda não comprovado pela ciência, que desistiu de buscar a causa do transtorno em um gene específico. O estilo dessa abordagem na mídia obedece a um padrão que seria o da reificação do sofrimento humano, com um final preventivo e humanizador.

O que o leitor quer ler, ou mais precisamente, o que ele quer “sonhar”, encontra-se estampado no marketing das capas semanais. Essa sintonia com a demanda, com o “espírito do tempo”, nas palavras do psiquiatra da Unicamp Maurício C. Pereira, é uma estratégia muito bem arquitetada pela indústria farmacêutica. O que se constata nas matérias sobre medicamentos, especialmente antidepressivos, não é um panorama geral das novas descobertas, mas uma amostragem dos benefícios de um produto em particular, que já aparece na capa com seu nome comercial em destaque. A depressão surge como um sintoma que precisa ser curado. É um discurso feito para apresentar o remédio e o objeto de tratamento, com todo o “embasamento” de especialistas e a imprescindibilidade de um testemunho, o qual não tem necessariamente a ver com aspectos genéticos ou neurológicos dos transtornos. “Não é suficiente divulgar as novidades em congressos de psiquiatria, é preciso vender muito, entrar no mercado com grande impacto, fazendo alianças no jogo capitalista para se fazer reconhecido publicamente. É necessário atrair imediatamente o olhar do consumidor para o produto – e a grande mídia é um dos recursos usados para atrair esse olhar”.

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