São Paulo (AUN - USP) - A análise do filme “Coração Satânico”, pelo professor Ricardo Rizek (Faculdades de Artes Alcântara Machado – FAAM), foi o ponto alto na segunda edição da Semana de Ensaios Musicais. Bruno Menegatti, aluno do primeiro ano e membro da comissão organizadora do evento, comenta sobre a escolha do filme: “é uma idéia diferente; decidimos trazer o professor Rizek por ser reconhecido e para caracterizar a Semana como um evento em que há lugar não só para música, mas também para a cultura geral”. Rizek esclarece ainda que “o filme foi escolhido como exemplo da aplicabilidade de princípios morfológicos musicais numa análise de filme, de um filme cuja densidade formal e estrutural torna-o perfeito para exemplificar o quanto a arte musical pode parametrar outras artes temporais, como o cinema”.
Organizada pelo corpo discente da Faculdade de Música da Escola de Comunicações e Artes – ECA /USP, a Semana é um projeto vinculado à pró-reitoria de graduação, com o apoio do Pró-Eve, Programa de Apoio à Realização e Participação em Eventos Voltados à Graduação. Menegatti diz que o objetivo da Semana é, além de mostrar a produção do departamento, “trazer novas idéias e propostas, possibilitando uma maior atuação do Departamento de Música junto à comunidade USP e, além disso, complementar a aprendizagem musical com possibilidades de iniciação em assuntos que não fazem necessariamente parte da estrutura da graduação em música”. A vinda e a escolha de professores de outros departamentos foram decididas pelos alunos, através de votação, com a idéia de também promover integração entre os departamentos da ECA.
Uma trajetória edipiana
“Quão terrível é a sabedoria, quando ela não tem proveito para o sábio.”.
Uma das últimas frases ditas no filme que virou cult na década de 80, é a epígrafe do livro “Édipo Rei” – e não por mera coincidência, levando em consideração as observações de Ricardo Rizek, da ... (FAAM) o qual, ao fazer a análise do filme, partiu da suposição de que o thriller de 1987, dirigido por Alan Parker, seria uma versão da estória escrita por Sófocles, há milhares de anos.
Baseado no romance de William Hjortsberg, o filme tem como protagonista o ator Mickey Rourke, no papel de Harold Angel, um detetive particular que é contratado por um homem misterioso (Robert De Niro) para descobrir pistas de um cantor desaparecido. O itinerário desse personagem teria referências explícitas à trajetória de Édipo, em sua obstinada busca pelo assassino de Laio, a mando do deus Apolo.
As situações e os personagens se desenvolvem num roteiro que revela uma comparação entre a angelologia judaica e o politeísmo grego. Revela também uma parametragem musical em núcleos de repetições, pois “música é uma modelagem filosófica do tempo. O cinema, nas palavras de Tarkovski, é o esculpir do tempo, tomando-o num sentido concreto, crônico”, disse o professor. Os paralelos, à primeira vista paradoxais, entre o esoterismo grego e a angelologia judaica tornam-se patentes na relação entre personagens. São evidentes as semelhanças entre: Apolo: músico talentoso, o deus da luz e da verdade. Lúcifer: um deus de luz, que passou a reger o destino dos homens após sua queda (o título do livro de Hjortsberg que originou o filme é “Falling Angel”) e que também era músico. Louis Cypher, um deus representado por De Niro de cuja luz o detetive H.Angel necessita defender-se, mesmo preso à fatalidade de seu destino, e cada vez mais obcecado em desvendar seus desígnios, ao modo de Édipo. Édipo, que está à procura de ninguém menos do que ele mesmo, encontra a chance de redimir-se em Epiphany, a possibilidade de revelação, de descoberta e, no contexto do filme, de paradoxal redenção.
Os princípios morfológico-musicais aplicados a cada trecho do roteiro que se repetia; a rica simbologia de espelhos, pés, ovos, sapatos, animais; as várias mensagens subliminares; o significado ou o paralelismo existente nos nomes (Louis Cypher e Lúcifer, por exemplo). Os diálogos implícitos entre mitos e composição de cenas – o nome grego Laio significa “escuro”, e seria citado no jogo entre luz e trevas, na divisão da tela entre um lado escuro e outro claro. Além de elementos que funcionavam como truques narrativos – os inúmeros ventiladores, cujos sentidos de rotação apontavam para a idéia do bem ou do mal – totalizaram, por fim, a análise detalhada que encerrou a Semana com um tom diferente.