ISSN 2359-5191

01/07/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 61 - Sociedade - Faculdade de Educação
Redução da maioridade penal vai contra diretrizes internacionais
Pesquisador da FEUSP aponta que mudança não obedece a tratados firmados pelo Brasil no exterior, nem ao Estatuto da Criança e do Adolescente
Proposta de redução da maioridade penal descumpre tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil. Foto: reprodução

A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos atualmente trâmita no Congresso Brasileiro por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, que altera o artigo 228 da Carta Federal — artigo este que considera “inimputáveis os menores de dezoito anos”. Contudo, para o pesquisador Roberto da Silva, professor da Faculdade de Educação (FE), ainda que a PEC seja aprovada pelo Legislativo, a redução da maioridade penal descumpre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

Silva é organizador do livro Ciência da Delinquência: o olhar da USP sobre o ato infracional, o infrator, as medidas socioeducativas e suas instituições, lançado em 2013 em comemoração aos 23 anos do ECA. A publicação conta com uma série de artigos, oriundos de pesquisas das mais diversas áreas acerca da temática da criminalidade. O professor afirma que a ideia era justamente oferecer uma espécie de devolutiva da Universidade às instituições que compõem o aparato jurídico, policial e administrativo do Estado, ainda que a USP em si não se posicione institucionalmente. No livro, Silva é autor do artigo Porque dizer não à redução da maioridade penal.

PEC 171 reaviva discussão sobre idade penal

O pesquisador explica que a PEC 171 não é inédita, tendo sido proposta pela primeira vez há 20 anos, em 1993 — apenas três anos depois da aprovação do ECA. O Estatuto é considerado um marco na proteção a crianças e adolescentes, por institucionalizar direitos como a prioridade no atendimento (uma vez que, nessa etapa da vida, os indivíduos estão em fase pecualiar de desenvolvimento). O ECA também discorre sobre a observação de medidas socioeducativas para o caso de atos infracionários praticados por jovens com menos de 18 anos.

Além da proteção concedida a crianças e adolescentes pela legislação brasileira, Silva reitera o fato de o Brasil ser signatário de uma série de tratados internacionais sobre o tema, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (Organização das Nações Unidas). A ONU também possui um Comitê dos Direitos das Crianças, que recomenda o estabelecimento da maioridade penal em 18 anos, com leis e um sistema judicial especializado para crimes cometidos antes dessa idade. É o que ocorre na maior parte do mundo: segundo levantamento da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), de 59 países analisados, 80% definem a idade penal a partir dos 18 anos. Em recente sessão na Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-PE) defendeu que o Brasil “não pode caminhar na contramão do mundo”.

 

07ebf8ab-1984-44da-a676-2db48de41f8d.jpgEm sessão na Câmara, manifestantes protestam contra a redução.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Desrespeito aos direitos humanos

Segundo Silva, colocar menores de idade em prisões comuns é um ataque aos princípios de prioridade às crianças e adolescentes estabelecidos pelo ECA, pois não se deve retirar dos jovens infratores os direitos concedidos pelo Estatuto e pelos tratados internacionais. “O direito que se quer proteger aqui é o direito de todas as crianças e adolescentes, não de um grupo especifico”, diz. “Significa dizer que um adolescente de 16 anos que cometer ato infracionário equiparado a crime hediondo não merece mais essa proteção. Não se pode fazer isso”.

Diante do estado questionável no qual se encontra o sistema carcerário do País, submeter adolescentes a esses ambientes configuraria uma ação de maus-tratos, segundo o professor. “Pra meninos e meninas nessa idade, colocá-los nas prisões brasileiras — com o domínio que têm das facções criminosas, com a superlotação, a precariedade de infraestrutura — é aplicar uma pena cruel e degradante a uma pessoa em fase peculiar de desenvolvimento, que deveria merecer do Estado prioridade no atendimento. Veja que absurdo”, diz.

O pesquisador relembra o caso do ex-presidente do Banco Central, Henrique Pizzolato, acusado de corrupção no escândalo do Mensalão e atualmente refugiado na Itália. Pizzolato não foi extraditado para o Brasil porque a própria justiça italiana alegou que os presídios brasileiros não ofereceriam segurança a ele. “Agora, se não é seguro pra um cara desse status, como uma prisão vai ser segura para um menino ou menina de 16 anos?”, questiona.

Assim, para tentar barrar a redução da maioridade penal, os defensores do ECA recorreram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “No plano internacional, não se aceita retrocesso em termos de direitos humanos”, afirma Silva. “Não pode um país, no conjunto de 198 países que assinam esses tratados e convenções, querer unilateralmente reinterpretar uma regra que se tem como universal”. Para o professor da FEUSP, a decisão de levar a discussão ao âmbito internacional reside no fato de o Brasil, historicamente, ser mais sensível a demandas externas. “Muitas conquistas que conseguimos — como a desativação das unidades da Febem e do Carandiru — foram por causa da pressão internacional”, diz.

Implicações políticas

De acordo com o pesquisador, o reavivamento da PEC 171 traz consigo uma conotação política que está relacionada à vitória da presidente Dilma Rousseff nas últimas eleições. “Por que essa PEC de 1993 foi desengavetada? Porque esse Congresso que assumiu, sobretudo os que ficaram na oposição, não aceitaram as regras do jogo democrático e não ficaram satisfeitos com a reeleição da Dilma”, afirma. Silva acredita que a discussão em torno da PEC 171 não é uma medida isolada, mas paralela a outras reformas que estariam desconstruindo ganhos sociais anteriormente conquistados. Todas essas ações teriam como objetivo desacreditar o governo federal diante de um contexto em que este se encontra com baixa popularidade. “A redução da idade penal, para esses grupos que estão em embate, não importa nada. É só uma moeda de troca”, diz. “Se eles conseguissem o impeachment da Dilma, eles não estariam fazendo nem esta nem qualquer outra discussão”.

Segundo pesquisa do DataFolha realizada em junho, nove dentre dez entrevistados apoia a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Um dos principais argumentos da opinião pública em defesa da redução da maioridade penal diz respeito à necessidade de punição dos jovens infratores, que na visão da maioria, ficam impunes ao se submeterem apenas a medidas socioeducativas. Contudo, Silva aponta que essa cultura do aprisionamento, defendida pela sociedade e praticada pelo judiciário, vem causando uma imensa superlotação no sistema prisional brasileiro — o que afeta inclusive os locais de internação destinados a menores, como a Fundação Casa. Segundo dados do Ministério da Justiça, o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo. “Se os juizes aplicassem medida de internação só a quem precisa, daria pra dar um tratamento adequado”, afirma. “Ao invés disso, o que se quer é colocar esse excedente da superlotação no sistema penitenciário, que já está saturado. É uma medida completamente burra”. 

Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo. Na foto, presídio de Pedrinhas em São Luís (MA), que ganhou repercussão internacional ao ser palco de 60 mortes de detentos, após uma rebelião em 2013. Foto: reprodução

Para o professor, a sociedade não está devidamente esclarecida sobre o assunto, e a falta de informação é usada pela imprensa e pela oposição governamental para legitimar a PEC 171. Ele ressalta que, embora a redução da idade penal seja vista por parte da população como uma das soluções para a alta criminalidade e impunidade no Brasil, a medida seria aplicada a menos de 1% dos jovens infratores em todo o País. Isso porque, de acordo com o texto atualmente vigente na Câmara, o aprisionamento de menores de idade só ocorreria em caso de crime hediondo (como latrocínio e estupro), roubo qualificado (sequestro ou participação de dois ou mais criminosos) e lesão corporal grave. Assim, Silva alega que a idade penal de 16 anos pouco afetaria o sistema carcerário brasileiro. “A proporcionalidade de delitos cometidos por adolescentes é ínfima em relação ao total da criminalidade de adultos”, diz. “Do ponto de vista de impacto na criminalidade, isso não significa nada”.

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