Nas últimas quatro décadas, os avanços nos tratamentos oncológicos permitiram que cerca de 70% das crianças diagnosticadas com câncer tivessem chances reais de cura ou sobrevida. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer calculam que o Brasil registrou uma média de 576 mil novos casos de câncer em 2014. Desses, pouco mais de 9 mil foram diagnosticados em crianças ou adolescentes, representando 1,5% do total. Apesar do número parecer baixo e dos avanços na oncologia infantil, o grupo ainda é um dos mais afetados pelas consequências físicas, emocionais e financeiras da doença dentro do contexto familiar, como demonstra a pesquisa Experiência financeira de famílias no cuidado de crianças e adolescentes com câncer. Realizada por Amanda Rossi Marques Camargo, a dissertação de mestrado analisou o caso de 62 famílias de pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP/USP). Amanda buscou analisar o desgaste econômico em núcleos familiares em decorrência do câncer em crianças ou adolescentes.
Segundo os resultados do estudo, os principais custos adicionais ao orçamento familiar são referentes a transporte, alimentação e alterações de estrutura da casa, classificados como consequências diretas da doença. Entre as famílias analisadas, 42% fez alguma alteração na estrutura da casa para melhor atender as necessidades da criança ou adolescente; e cerca de 24% dos pacientes percorriam distância superior a 100 km para realizar o tratamento no Hospital, sendo que mais da metade desses pacientes realizava esse deslocamento até três vezes por semana. “Parece que vem um vendaval e mexe com a casa inteira da família. A gente passa a viver outro mundo e este mundo tem um custo mais alto”, afirma um dos participantes da pesquisa.
Além disso, em muitas dessas famílias, é comum que um dos membros abandone suas atividades remuneradas para se dedicar exclusivamente ao menor. Na pesquisa, 85% dos membros possuíam algum vínculo empregatício antes do diagnóstico, mas apenas 53% encontravam-se na mesma situação quando da realização da pesquisa. A situação é acentuada quando esse familiar era a principal fonte de renda da família.
Segundo Amanda, quando a família era financeiramente estável antes da doença, geralmente, eles conseguem reorganizar seu orçamento. Porém, quando sua situação econômica já era desfavorável, a presença do câncer vêm a ser um agravante nas contas da casa. “O baixo provimento financeiro faz com que as famílias priorizem as demandas do filho adoecido em detrimento dos outros componentes da família, muitas vezes deixando de lado necessidades essenciais da família, como alimentação e até mesmo o pagamento de contas de energia e água”, afirma.
Nesse contexto, dá-se a importância de implantação de políticas públicas de apoio a famílias nessa situação. Atualmente, existem dois benefícios que contemplam familiares de pacientes com câncer: o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O primeiro fornece auxílios com o transporte e alimentação para paciente e familiar até o local de tratamento. Já o BPC garante auxílio financeiro no valor de um salário mínimo para famílias cuja renda per capta seja de até um quarto de salário mínimo. Apesar de 82% das famílias participantes do estudo terem declarado que o dinheiro já era uma preocupação antes do diagnóstico, apenas 42% dos que solicitaram os benefícios foram atendidos, totalizando 17% do número total de famílias.
“É preciso considerar a necessidade de elaboração de políticas públicas voltadas a esta realidade, bem como melhorar as políticas já existentes que no momento beneficiam poucos pacientes e suas famílias”, afirma Amanda.
Quando os auxílios sociais formais não são suficientes para atender as necessidades dessas famílias, elas recorrem aos auxílios informais fornecidos por familiares, amigos e grupos que realizam trabalho voluntário. “Não vou te falar que eu passei fome, porque eu tive gente para me ajudar”, relata um dos familiares. A ajuda chega de diversas formas, auxiliando tanto nos gastos básicos, como alimentação e pagamento de contas de água e luz, como na doação de equipamentos que permitem cuidados especiais com a criança ou adolescente.
Segundo Amanda, a maioria das pesquisas envolvendo o câncer busca analisar as consequências psicoemocionais da doença e, no Brasil, não existem pesquisas de referência que tratem de seus efeitos econômicos para as famílias.