ISSN 2359-5191

13/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 74 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Projeção midiática de tecnologias “privatiza” adaptação social de pessoas com deficiência
Em tese vencedora do Prêmio Capes, antropólogo explica como próteses e exoesqueletos podem evidenciar estigmatização social de pessoas que não conseguem andar
Próteses reforçam ideia de que corpo é uma máquina que pode ser melhorada com tecnologia /Foto: Wikipedia

Tratados muitas vezes como ‘milagres’ da ciência, próteses e exoesqueletos desenvolvidos para indivíduos amputados ou com lesão medular podem evidenciar a estigmatização social sofrida por pessoas com deficiência. Apesar de cumprirem um importante papel na melhoria da qualidade de vida de quem tem restrição de mobilidade, a imagem gerada pela restauração da capacidade de andar é socialmente ‘confortável’, pois limita a reabilitação à esfera privada e não exige a adaptação de ambientes coletivos para estas pessoas.

“A reabilitação plena da marcha bípede não está disponível para todos os amputados e não há ainda tecnologia viável para as pessoas com paralisia. O fato de o ambiente físico ser refratário à presença de quem não pode caminhar sobre duas pernas apenas reflete a predisposição social de torná-los invisíveis”, explica o antropólogo Joon Ho Kim.

Segundo o pesquisador, as tecnologias que restauram o bipedismo ainda são incipientes. Neste sentido, o imaginário de que, por exemplo, exoesqueletos podem substituir em breve as cadeiras de rodas esvaziam a percepção de que a reabilitação é uma responsabilidade social que depende da adaptação de pessoas e ambientes àqueles que têm deficiência.

“Apesar de ainda ser pouco viável, o exoesqueleto robótico parece que ter um apelo irresistível, já que oculta a diferença que incomoda, torna desnecessário que o conceito de normalidade seja revisto e privatiza o problema da adaptação, pois no admirável mundo novo sem cadeiras de rodas não será mais necessário adaptar casas e equipamento urbano a que não anda”, afirma Kim.

O antropólogo é o autor da tese de doutorado O estigma da deficiência física e o paradigma da reconstrução biocibernética do corpo, vencedora do prêmio Capes em 2014.

Sonho do ciborgue

Em seu estudo, Kim destaca como os amputados, antes vistos como ‘aleijados’, na mesma categoria dos paralíticos, tiveram uma recente alteração em sua classificação social. A mudança na estigmatização pode ser percebida, por exemplo, a partir do momento em que atletas amputados começaram a competir em competições de alto nível com outro atletas sem esta deficiência.

“O corpo do atleta amputado acoplado a próteses high-tech [alta tecnologia], competindo em nível olímpico com atletas não amputados, como fez Oscar Pistorius em 2012, reforça a ideia de que o corpo é uma máquina que pode não ser só consertada, mas melhorada por meio da reconstrução tecnológica”, afirma o antropólogo.

De acordo com Kim, a maneira como este novo cenário é retratada por parte da mídia está baseada na superação do corpo humano por meio do auxílio de máquinas. “Há uma projeção midiática que os estereotipa como a realização do sonho do ciborgue, que está alicerçada na ideia de superação dos limites do corpo biológico por meio do acoplamento de máquinas”, diz.

O conceito de estigma utilizado na tese é o do antropólogo canadense Erving Goffman. Autor do livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, ele descreve o estigma como uma siginificação social dada a uma determinada diferença que pode ser depreciativa em uma situação social ou época histórica, mas não ter o mesmo sentido em outro momento.

Ciência e religião: objetivos semelhantes

No estudo, Joon Ho Kim procurou comparar a noção de corpo na Idade Média e no período renascentista para demonstrar como ambas as noções coexistem até hoje. Enquanto o corpo medieval reflete a condição da alma, o renascentista introduz a ideia do corpo-máquina, apartado da alma, do “eu”.

O antropólogo destaca também como diversas passagens bíblicas associam a deficiência a proibições e punições. O sacerdócio, inclusive, chegou a ser vetado para pessoas com corpos imperfeitos. Mesmo em casos onde a deficiência não impedia que os indivíduos de se tornarem padres, as carreiras destes eclesiásticos ficava restrita aos níveis hierárquicos mais baixos da Igreja.

Kim, no entanto, afirma que religião e ciência não são tão distantes em seus objetivos. Apesar de distinguirem no método, ambas tentam estabelecer uma ordenação da realidade que escapa à razão.

“Ciência e Religião estão submetidas à mesma exigência do pensamento humano de ordenar uma realidade cujas possibilidades de experiência não podem ser esgotadas pela razão. Por exemplo, a demanda simbólica que é suprida pela ‘singularidade’ que antecede o Big Bang, quando não havia nem tempo e nem espaço, não difere da ‘escuridão’ que havia antes do primeiro dia da Criação (Gênesis)”, esclarece.

Escolhida por um comitê para representar o Departamento de Pós-Graduação em Antropologia da FFLCH (Faculdade de Filoso”fia, Letras e Ciências Humanas) da USP na edição de 2014 do Prêmio Capes, a tese de Kim também foi premiada com o Grande Prêmio Capes de Tese Sérgio Buarque de Holanda, para o qual concorreram os vencedores do Prêmio Capes de Tese em Ciências Humanas, Lingüística, Letras, Artes e Ciências Sociais Aplicadas.

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