ISSN 2359-5191

20/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 79 - Arte e Cultura - Escola de Comunicações e Artes
Performance pode atribuir novos significados a obras de arte
Ramo da Filosofia, Hermenêutica ajuda a explicar o poder do intérprete sobre composições
Releituras de obras conhecidas podem surpreender mais que “covers” fiéis (Fonte: Megasom)

A cada dia, são compostas muitas músicas novas. No entanto, numa frequência possivelmente ainda maior, obras já conhecidas são relidas, reapresentadas e regravadas. Luciano Morais estudou, em sua tese de doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da USP, aspectos importantes na compreensão de tal fenômeno: a interpretação e a performance.

Em termos estritamente técnicos, uma música é sempre a mesma. A partitura e suas indicações não variam de acordo com os intérpretes, o local de execução, os ouvintes, o contexto histórico. Por que, então, tocar novamente uma obra que, a rigor, já foi executada exatamente como deveria ser? Por que reproduzi-la precisamente como é ou, caso se deseje apresentá-la de uma maneira diferente, como é possível fazer isso?

Para responder a essa pergunta, o violonista Luciano Morais propõe a utilização da interpretação musical como hermenêutica da música, ou seja, como forma de questionamento, de reflexão acerca dela, culminando no conceito de performance. Dessa forma, visa transcender as limitações da grafia musical e ressaltar a importância dos elementos que a excedem.

A grande crítica com relação ao campo de estudo de Luciano, admitida por ele mesmo, deriva da relação entre arte e ciência. “É muito comum haver um ‘estupro’ da ciência pela arte e da arte pela ciência, como se os parâmetros que valem para a pesquisa científica tivessem que valer necessariamente pra arte, ou vice-versa”, diz. Nesse sentido, sua tese é inovadora, pois busca uma aproximação entre os dois campos.

O pesquisador evoca o campo semântico da palavra hermenêutica para explicar seu estudo, relacionando-a com hermético, por meio de Hermes. “Aquilo que é fechado só pode ser fechado porque um dia foi aberto. Os processos de fechar e abrir se relacionam ao mesmo deus, Hermes”. Assim, sua intenção é justamente transformar algo que poderia ser contraditório (de um ponto de vista fechado) para que, aberto possa se tornar algo complementar e multifacetado.

A performance e a interpretação estão intimamente ligadas. Aquela resulta desta. Ao decodificar uma partitura, ainda que, fundamentalmente, a mensagem transmitida seja a mesma, cada intérprete, por meio de sua compreensão da obra, a executará com diferenças, sejam elas intencionais ou não, dentro da margem de subjetividade pressuposta pela música (sendo ela uma atividade humana).

A tese de Luciano busca mostrar que essa leitura realizada pelo intérprete ocorre, como todo processo hermenêutico, com base em três alicerces fundamentais: a posição (referência: “de onde eu parto”), a visão (objetivo: “o que eu quero atingir”) e a concepção prévia (imaginação: “como eu percebo a obra”). A partir disso, é possível que se entenda o porquê de uma obra ser o que é, em vez de ser diferente – esse sendo, justamente, o verdadeiro objeto de estudo da hermenêutica.

O pesquisador apresenta um exemplo para explicar a relevância do intérprete e de sua performance para a construção do discurso musical de uma obra (no caso, o prelúdio nº 2 de Francisco Tárrega): “Nessa música, a tonalidade não é muito clara [porque a harmonia varia muito]. Como o intérprete se posiciona diante disso?. Pode destacar a melodia [e, consequentemente, a tonalidade]. Mas no acompanhamento existem coisas importantes, então existe uma outra corrente interpretativa que propõe que se dê a ele o espaço principal [para que suas inovações e criatividades possam ser ouvidas]. Isso não está escrito na partitura.”

O violonista afirma ser a sua tese importante porque o ser humano não é dono da verdade. Consequentemente, nem compositor nem intérprete têm a palavra final sobre como uma música é ou deveria ser. A obra de arte, ao ser composta, passa a ser maior do que era, maior do que seu compositor, e dialoga de maneiras diferentes com cada um.

Assim, por mais que o glamour da arte diga “que é uma boa ideia se vender como o maioral”, uma certa dose de humildade se faz necessária para que se admitam novas leituras de uma mesma composição.

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