ISSN 2359-5191

30/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 89 - Arte e Cultura - Escola de Comunicações e Artes
“Navios Iluminados”: resgate de Ranulfo Prata salienta caráter observador do literato
Lançamento do livro “Navios Iluminados” conta com participação da escritora Nélida Piñon e dos professores José de Paula Ramos Jr., Marisa Midori Deaecto e Luís Bueno
O autor Ranulfo Prata.| Foto: literaturasergipana.blogspot.com.br.

A coleção “Reserva Literária”, parceria entre as editoras Edusp e Com-Arte, acaba de chegar ao seu quarto volume: “Navios Iluminados”, obra de Ranulfo Prata, um dos ícones do romance de 1930, ganha uma nova edição. Para marcar o feito, foi realizada a “Segunda Jornada Reserva Literária” na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), no dia 22/09/2015. Luís Bueno, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um dos palestrantes, destacou a qualidade de observador de Ranulfo. Além de Bueno, a mesa foi composta pela escritora Nélida Piñon, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), e por José de Paula Ramos Jr., professor do departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). A mediação ficou a cargo da professora Marisa Midori Deaecto, da ECA-USP.

 

A capa da nova edição de "Navios Iluminados". | Imagem: armonte.wordpress.com. 


Palestra e lançamento de "Navios Iluminados"

A “Segunda Jornada Reserva Literária” comemorou a quarta empreitada da compilação “Reserva Literária”: “Navios Iluminados”, de Ranulfo Prata. O evento teve início às 19h, com a apresentação de um vídeo, produzido pelo professor Luiz Fernando Santoro (ECA-USP), no qual docentes do curso de Editoração comentam, sintaticamente, sobre o trabalho dos alunos na Com-Arte, a parceria com a Edusp, a coleção “Reserva Literária” e o livro em destaque. No material audiovisual, o professor De Paula apresenta a obra lançada e revela que foi feita uma pesquisa em sebos para que as edições anteriores fossem encontradas. “O autor escreve o livro, mas não faz o livro”, diz o professor Plínio Martins Filho (ECA-USP) no vídeo. A docente Marisa Midori Deaecto resume o objetivo de um editor: “Informar bem e informar de uma maneira sintética”. Deaecto pontua ainda o fato do livro, em geral, ser uma mercadoria, mas com conteúdo. Segundo ela, é necessário levar a emoção contida no escrito para o público.


Vídeo de "Navios Iluminados". | Créditos: Professor Luiz Fernando Santoro. 


Após o término do vídeo, Marisa Midori Deaecto, ocupando a função de mediadora, abriu a palestra com as devidas apresentações dos componentes da mesa e agradecimentos diversos. De Paula anunciou, oficialmente, que a escritora Nélida Piñon aceitou ser a madrinha da coleção, além do professor ter ofertado uma porção de “obrigadas” aos estudantes que, de acordo com ele, dedicaram-se entusiasticamente ao projeto e contribuíram para que mais um escrito fizesse parte da coleção.

Em seguida, tendo a palavra, Luís Bueno, estudioso da obra de Ranulfo Prata, discorre sobre o autor que, apesar de contemporâneo de Graciliano Ramos e grande representante do romance de 1930, não desfruta do mesmo reconhecimento que o autor de “Vidas Secas”. Para Bueno, Ranulfo “parece ter construído a sua obra literária a partir do lastro da experiência”. O escritor em foco estreou em 1918 com um romance chamado “O Triunfo”. Caracterizado como um escritor dotado de muita observação, publicou o primeiro livro quando tinha 22 anos e, através dessa obra, entrou em contato com Lima Barreto. Foi um escritor de muita observação. O primeiro livro, publicado quando ele tinha 22 anos, fez com que ele tivesse contato com Lima Barreto. O inventor de Policarpo Quaresma, contou Luís Bueno, leu o livro e ficou integrado com a beleza da personagem Angelina: Barreto gostaria de saber se a moça era mesmo bonita ou se o autor tinha se excedido nos elogios. Prata, formado em medicina, residiu em São José do Rio Preto e em Santos, local onde ficou até o seu falecimento. Uma figura muito esquecida, Ranulfo Prata não praticou a vida literária, era recluso e, dificilmente, concedia entrevistas. “Um escritor muito sensível ao real”, definiu Bueno.

Acerca de “Navios Iluminados”, o qual está em sua quinta edição, bem ou mal, nas palavras de Luís Bueno, vem sendo conhecido pelas novas gerações, garantindo, pois, uma sobrevivência literária. Prata compartilha com Graciliano Ramos alguns pontos relativos ao estilo da escrita: “magro, de frases curtas, de pouca adjetivação”, coloca Bueno. Para o professor, o romance em destaque “está, claramente, na faixa dos livros mais interessantes dos romances de anos 30”. Há um jogo no título, alerta Luís Bueno, já que a história é “dark”. Com uma forma rica e um manejo primoroso do tempo, o livro é estruturado a partir das várias transformações sofridas por Severino, protagonista da trama. Às vésperas de cada mudança, em momentos de esperança ou de desesperança, o personagem vê um navio por vez. “O livro vai se fechar com a visão de um desses navios que, na verdade, nem é um navio de verdade”, afirma Bueno, o qual espera que, futuramente, a obra tenha uma fortuna crítica considerável.

Nélida Piñon, autora de “A república dos sonhos” e integrante da Academia Brasileira de Letras, prosseguiu o evento lendo um texto que ela elaborou sobre a memória na preservação dos alicerces civilizatórios. Antes da leitura, todavia, teceu uma observação: “somos induzidos a esquecer do Brasil”, sustentou Nélida. De acordo com a escritora, a memória é um produto do sujeito e da cultura; uma mediadora do arrebato da imaginação coletiva; uma ligação com a existência; algo mais valioso “que os tesouros da caverna de Ali Babá”. Adverte que não se pode ser vago ao falar sobre a memória. “A sua memória te ajuda, mas não é concreta”, disse. O fato da memória não ser absoluta, oferece a possibilidade para que sejam feitas eventuais retificações do conhecimento. Libertária foi um dos adjetivos utilizados por Piñon para designar a faculdade da lembrança.


A escritora Nélida Piñon. | Imagem: www.buendiafilmes.com. 


Adentrando no campo do escrever como arte, Nélida declarou que “a experiência é uma fatalidade para todo escritor”. Não se trata de uma experiência didática e, sim, desmanchar o que o escritor sabe, “abrir o leque para que a arte se faça, sem medo, sem covardia”. A autora afirmou que não pensa no escritor e ilustrou a sua sentença com uma história pessoal: para ela, o seu leitor ideal seria uma pessoa extremamente culta, a qual tivesse estudado em instituições de referência como Harvard; contudo, em certa oportunidade, viu meninos e meninas ribeirinhos cantando o hino nacional, acompanhados de uma modesta professora segurando a bandeira nacional. Devido à emoção que sentiu, desejo, então, que o seu leitor modelo fosse um ribeirinho. Declarou que deixa o ímpeto criador se manifestar e que uma linguagem harmônica é um elemento necessário na literatura. Ainda acerca de características literárias, revelou: “Eu admiro os escritores que têm uma densidade poética”. Nélida Piñon, amarrando a memória com a arte da escrita, garante que “não se inventa sem memória”, já que, para ela, a invenção é filha da memória. “Eu não me dedico à memória. Eu me dedico à invenção”, disparou a escritora que se intitulou “admiradora da sua própria memória”.

Questionada sobre a relação passado e presente, Nélida Piñon disse que é uma mulher que viaja pelos tempos. Inclusive, possui séculos preferidos dentro do leque histórico. Ao seu ver, o passado não pode ter a conotação de vencido e, sim, algo presente que, por vezes, dá elementos para que a imaginação floresça e cresça. “Eu adoro pensar que eu tenho imaginação. Eu não tenho, mas eu gostaria de ter”, assinalou. Ademais, Nélida fez questão de frisar que o público ali estava lhe dando alegria.

Voltando ao romance de Ranulfo Prata, uma pergunta da plateia sucede a atenção para o uso miúdo da linguagem: Severino possui menos falas do que os outros personagens. Luís Bueno ressalta que a criatura de Prata convoca a ponderação do leitor. Ademais, Bueno põe em pauta o fato do romance oferecer a sensação de se estar andando em Santos, ainda mais para quem conhece a cidade. De Paula, que vive dos cinco aos 18 anos na Baixada, confirmou a colocação do professor da UFPR. “O que há de mais poderoso no livro é que, quem não conhece Santos, fica espantado do mesmo jeito”, afirmou De Paula. Com uma imagem concreta, o leitor consegue recriar, mentalmente, os ambientes evocados pelo autor. “Navios Iluminados”, em suma, desperta a reflexão e a imaginação, além de emocionar.

 

Coletânea "Reserva Literária"

Fruto de uma colaboração entre a Edusp (Editora da Universidade de São Paulo) e a Com-Arte (empresa júnior formada por alunos do curso de Editoração da ECA-USP), a coleção “Reserva Literária” propõe o resgate de obras da literatura brasileira que, há tempos, estão esquecidas ou fora de circulação, porém possuem valor artístico e cultural permanente. Importante salientar que os escritos que compõem a seleção passam por um preparo rigoroso: além do respeito à vontade autoral, estabelecendo um caráter fidedigno, há a preocupação em oferecer ao leitor textos pautados no tripé inteligibilidade, legibilidade e leiturabilidade.

O livro inaugural da coleção, lançado em 2011, foi “Contos Cariocas”, de Arthur Azevedo, que obtivera uma única edição, póstuma, em 1928. A segunda obra, “Marta”, de Medeiros e Albuquerque, não estava na praça desde sua terceira edição, colocada à disposição em 1932. O terceiro título, “Mau-olhado”, de Veiga Miranda, cuja segunda e última edição saíra em 1925.

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