ISSN 2359-5191

30/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 89 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Romance russo que influenciou Lênin é traduzido pela primeira vez para o português
"O Que Fazer?", obra de Tchernichevski que incendiou juventude russa, foi lançado em português pelo professor da FFLCH Angelo Segrillo
Capa da edição de "O Que Fazer?" traduzida pelo professor Angelo Segrillo

O título do popular livro "Que Fazer?" escrito por Vladimir Lênin em 1901, que discute a organização de um partido político revolucionário, faz referência direta a obra de outro importante autor russo, Nikolai Tchernichevski, cujo romance "O Que Fazer?", publicado em 1863, foi traduzido diretamente do russo para o português pela primeira vez pelo professor Angelo Segrillo.

O lançamento da edição traduzida foi realizado na última sexta-feira (25) em uma palestra no Auditório da História, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo, onde Segrillo leciona.

"O Que Fazer?" incendiou a juventude russa, inspirou vários revolucionários –como Lênin– e é tido como um dos livros mais importantes da história da Rússia. Na contracapa de sua edição traduzida, Segrillo registrou as palavras de Joseph Frank, o maior biógrafo ocidental de Dostoiévski, que considera "O Que Fazer?" o romance do século XIX que teve maior influência sobre a sociedade russa ao fornecer "a dinâmica emocional que eventualmente desembocou na Revolução Russa".

Dai a surpresa de Segrillo, também coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, ao participar de uma banca de mestrado do pesquisador Camilo Domingues sobre Tchernichevski e descobrir que a obra ainda não havia sido traduzida para o português.

"Sempre quis traduzir algum livro de prosa que ainda não tivesse sido traduzido, mas jamais me arriscaria com poesia,", brincou o professor. Ele diz ter ficado interessado no trabalho não só pelo fato do livro não existir em português, mas também por toda a trajetória da obra.

Nikolai Tchernichevski escreveu "O Que Fazer?" em apenas quatro meses enquanto estava preso, a mando do czar Alexandre II, na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petesburgo. O autor era um crítico literário radical, ateu e com fortes ideias materialistas e socialistas, além de editor de uma importante revista. Seu livro conta, a princípio, a história de Vera Pavlovna, que escapa da opressão de sua família, casa-se, e, como não quer depender economicamente do marido, cria uma cooperativa de costureiras. Mais tarde, ela se apaixona pelo melhor amigo do marido, que diz que ela é livre para viver esse romance, assim, o livro também propõe uma "revolução sexual, dos costumes", o que desviou a atenção de seu conteúdo político.

"Em uma primeira leitura, o livro parece piegas, a história de um triângulo amoroso, você não consegue nem ver a revolução ali. É preciso ler nas entrelinhas", explicou Segrillo. Devido à forte censura da época, Tchernichevski escreveu por meio de "mensagens cifradas": metáforas, palavras com duplo ou até triplo sentido, palavras ambíguas e muitas referências históricas e literárias –o que foi um desafio para o tradutor, que levou oito meses para concluir seu trabalho. O livro propõe um debate, por exemplo, com "Pais e Filhos" de Turguenev e cita versos de autores como Goethe e Walter Scott.

A TRADUÇÃO

"A sensação foi de estar realizando um trabalho de detetive, pois era preciso encontrar não apenas a tradução literal das palavras, mas também verificar se não havia outros sentidos escondidos", comentou o professor.

Um exemplo é o personagem Rakhmetov, que se tornou um símbolo do revolucionário-modelo. No livro, ele é completamente dedicado a sua "causa", que no equivalente russo também poderia ser traduzido por "negócio", mas fica subentendido que a tal "causa" ou "negócio" é a revolução.

"Tchernichevski queria mostrar o caminho da revolução, mas não escreve a palavra 'revolução' nenhuma vez.". Para Segrillo, as mensagens cifradas e o fato de ter sido publicado "picotado", em três partes distintas nas revistas literárias, podem ter ajudado o livro a passar pela censura czarista, que estava em pleno vigor na época.

Quando os censores se deram conta, já era tarde demais e a ideia de revolução presente na obra já havia se espalhado. Mesmo assim, foi proibida a publicação do texto em formato de livro.

Para o tradutor, a importância histórica de "O Que Fazer?" é amplamente reconhecida, contudo seu valor literário teria sido subestimado. "A obra tem diferentes níveis de leitura, você pode até ler como um best-seller, mas nada é o que parece naquele livro. Muitos críticos ultrapassaram a camada de leitura do romance piegas e enxergaram a revolução, mas acharam muito didático. Isso já está sendo reavaliado", explicou Segrillo.

"Como tradutor, tive que buscar por muitos sentidos e níveis extras de interpretação o que me fez consciente de que o livro é mais sutil do que muitos se dão conta". A obra, publicada pela Editora Prismas, já está à venda.


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