Como alternativa para ampliar o acesso à educação e ofertar uma flexibilidade aos estudantes para organizar os seus estudos, a Educação a Distância (EAD) é a modalidade de ensino que mais cresce no País. Um dos fatores que explicam o aumento de matrículas na modalidade, em bacharelados, licenciaturas e cursos superiores tecnológicos, é o crescimento do acesso à internet.
Porém, seria possível, em uma modalidade de ensino em que educador e educando não tem um contato direto, a educação ser emancipadora? Motivada por essa dúvida, a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), Jaciara de Sá Carvalho, desenvolveu a sua tese, “Educação cidadã a distância: uma perspectiva emancipatória a partir de Paulo Freire”, com o intuito de observar as condições e desafios para uma educação emancipadora a distância com o foco na formação para a cidadania. Nela, estão definidas como condições para uma formação humana: educar pela cidadania, trabalho coletivo, diálogo mediatizado pelo mundo, coerência quanto aos materiais de estudo e articulação com movimentos sociais em rede. A tese, tem como bases teórica e crítica a filosofia e teoria de conhecimento do educador Paulo Freire.
Para Freire, o objetivo maior da educação deve ser promover a conscientização pelos sujeitos, só possível por meio do desenvolvimento de uma educação emancipatória. Consequentemente, era crítico do que ele chamou de educação bancária. Segundo ele, essa educação é aquela em que o professor deposita o saber em um aluno sem conhecimentos anteriores, apenas receptivo, um ser vazio. Assim escreveu Paulo Freire sobre esse ensino alienante, "Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade.".
Jaciara tem experiência prática com EAD e conta que a ideia para o tema da tese surgiu da associação direta que algumas pessoas faziam entre EAD e educação bancária. “Existe uma resistência e preconceito contra essa modalidade de educação. Eles à associam à uma educação mais transmissora e instrumental. O desconhecimento acaba condenando a modalidade.”
Para ela, a culpa não é da modalidade em si, mas da perspectiva de educação que está por trás dela. “Se os profissionais e a instituição têm uma perspectiva de educação dialógica, democrática, crítica e emancipatória e se comprometem a fazer uma educação a distância a partir dessas perspectivas, ela é possível. O que acontece é que na sociedade predomina outra lógica. Uma lógica instrumental e mercantil”, defende a pesquisadora. Dessa forma, a educação (não só na modalidade a distância) não tem como intuito a formação para a cidadania, uma das finalidades da educação de acordo com a Constituição Federal (Brasil, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996). O que se cria é uma Educação voltada exclusivamente para o domínio de técnicas, para a instrumentalização e a qualificação para o “mercado”.
O que torna a educação emancipadora ou não é a visão que o educador tem do que é ensino. Fonte: Unipê
Segundo a pesquisadora, algumas atitudes podem orientar uma formação cidadã, mas nenhuma “fórmula” é perfeita. Para fugir de uma educação alienante, o professor deve promover diálogos entre a turma, incentivar reflexões aprofundadas, problematizar questões e se colocar em uma postura não autoritária. Aplicando esses conceitos em uma educação presencial, ao contrário do que muitos pensam, não é garantido que ao final o resultado será 100% positivo. Na EAD também. “O importante, é que o educador tenha a consciência de que está trabalhando com seres humanos e que por isso, os resultados podem variar muito”, diz Jaciara. Em contrapartida, uma das dificuldades encontradas pelos professores que ministram aulas na EAD é justamente a dificuldade em manter os alunos motivados e dialogando. Pois, isso depende muito da disponibilidade do educando, se ele está motivado e com tempo para participar.
Outro grande problema enfrentado pelos profissionais de EAD é institucional. A maioria das instituições colocam a modalidade como algo à parte, não articulando ações entre o centro de formação à distância e a faculdade. Além disso, a maioria dos cursos de pedagogia não possui disciplinas específicas sobre ensino a distância. Alguns, nem mesmo tem em sua grade curricular disciplinas voltadas para o uso de tecnologias.
Um fato importante, é que os princípios defendidos na tese também podem ser empregados na modalidade de ensino presencial, pois, “Não existe educação a distância, o que existe é educação. Você pode desenvolvê- la em diferentes tempos, espaços e com diversas ferramentas. Uma tarefa de casa na educação básica não é educação à distância?”, conclui.