ISSN 2359-5191

14/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 96 - Arte e Cultura - Escola de Comunicações e Artes
Comparações entre termos utilizados no teatro e na internet constituem estudo sobre censura
Através da análise de palavras vetadas em textos teatrais e do ambiente atual das redes sociais, pesquisa explora relações construídas nesses dois espaços
A censura cala e cega os indivíduos. | Fonte da imagem: deutilt.com.br.

Antes da força do cinema e da televisão, o teatro era tido como a principal área de atuação dramatúrgica. Pautada nesse contexto, Andrea Limberto analisou, a partir de um conjunto de peças escolhidas no acervo do Arquivo Miroel Silveira (localizado na Escola de Comunicações e Artes, ECA/USP), figuras de linguagem censuradas e subentendidas em certos textos teatrais, destacando os temas mais perseguidos pelos agentes censórios. Em nova fase de sua pesquisa, um pós-doutorado, a jornalista transporta o seu olhar para o meio digital: como vocábulos e temas, outrora banidos pelos censores, são, hoje, tratados em redes sociais?

A pesquisadora faz parte da equipe do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), sediado na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), o qual volta-se para o estudo da liberdade de expressão e da censura nas artes e nos meios de comunicação. A coordenação do projeto é de responsabilidade da professora Maria Cristina Castilho Costa e a vice-coordenação é da professora Mayra Rodrigues Gomes.

As primeiras análises sobre censura, as quais originaram o Obcom, foram em torno do Arquivo Miroel Silveira, coleção que está sob a guarda da biblioteca da Escola. O arquivo é formado por mais de 6.137 processos, segundo Andrea Limberto, de censura prévia ao teatro paulista emitidos entre os anos 1920 e o fim da década de 1960 (abrange, pois, períodos relevantes da História do Brasil como o Estado Novo e a Ditadura Militar). Esses documentos estavam, inicialmente, no Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo e chegaram à ECA devido ao resgate feito por Miroel Silveira nos anos 1980. 


Miroel Silveira. (Acervo Cedoc-Funarte). | Fonte da imagem: www.elfikurten.com.br.


“O foco do grupo, depois de mais de dez anos estudando as peças de teatro, era ver como esses mesmos temas se comportavam na atualidade”, afirma Andrea. “Então, temos as questões de gênero, de restrição ao humor, de regulação das mídias digitais, de conteúdo religioso, além das questões sobre educação e escola, as quais abarcam o menor que precisa ser protegido, e as de classificação indicativa”.

 

Termos e censura

Em um primeiro momento de sua pesquisa, Andrea verificou os vocábulos de peças, abrigadas no Arquivo Miroel Silveira, que foram barrados pela censura — atentando-se para as figuras de linguagem, já que ela não estava interessada em “palavras secas” e, sim, em expressões trabalhadas literariamente. Para a jornalista, uma peculiaridade em trabalhar com o teatro é estar em contato com “a palavra em ato” e a escolha por enfatizar as figuras de estilo deve-se ao fato de que nestas construções “alguma coisa saltava mais do que outros trechos”, pois há um discurso embutido. Durante a investigação, a pesquisadora notou a existência de dois textos: a peça autoral elaborada pelo dramaturgo e, após os cortes, um segundo texto resultante da ação censória.


O censurado em textos teatrais configurou-se como objeto de estudo. | Fonte da imagem: www.greenfm.com.br.


A estudiosa ressalta uma questão: a maioria das peças presentes no arquivo foi liberada. Quarenta e sete foram totalmente vetadas. Pouco mais de mil textos sofreram cortes de palavras. E, constituindo o objeto da análise de Andrea, 437 escritos tiveram figuras de linguagem banidas. Devido ao volume do material, foi feito um novo recorte, selecionando 11 peças-chave, as quais foram analisadas separadamente: Quebra-cabeça (1950), Cinco coroas (1951), Ó de penacho (1951), Dominó (1952), Cidadão Zero (1954), A caixeirinha da Rua Direita (1957), Nonô vai na roça (1957), Revolução na América do Sul (1960), Gente como a gente (1959-1961) e A criação do mundo segundo Ary Toledo (1966). Com isso, percebeu as formas de interdição e concluiu, por exemplo, que o censor ativa os seus próprios preconceitos para determinar o que é desejável ou não e, por isso, ocorriam disparidades nas decisões censórias.


Trecho de processo de censura teatral estadual paulista. | Imagem cedida por Andrea Limberto.


Os assuntos que provocaram o maior número de intervenções dos censores foram: aborto, racismo, aspectos do gênero feminino e homossexualidade. “A gente tem defendido, ao longo do arquivo, que os temas morais são mais prementes para os cortes do que aqueles, eminentemente, políticos”, observou Andrea. Entretanto, ela alerta que, na esfera contemporânea, tem ocorrido uma soma do que é tido como campo moral e do que é denominado político ou ético: “Esses níveis de ação individual estão misturados, estão se encontrando”.

 

Vocábulos e #hashtags

Andrea Limberto continua o seu estudo: investiga, agora, como os termos e os conteúdos censurados nas peças estão sendo tratados, no presente, na internet. Trabalhou com o Twitter, devido ao uso de hashtag, vista pela pesquisadora como um indexador e um diferencial na ótica discursiva. Além disso, elaborou um acompanhamento qualitativo através de bases de dados do Google e construiu tabelas listando as palavras cortadas pela censura e a utilização das mesmas no mundo cibernético. A pesquisadora discorre acerca do porquê ligar o universo teatral com o digital: “As redes sociais pareavam muito bem com a vivência do teatro, porque o teatro era um ambiente de encontro público, de troca, de interação como acho que [são] algumas das características das redes sociais”. Assim, há uma semelhança entre os dois meios: cada um em sua época, representam cenários de uma “exibição social”.  


As #hashtags, utilizadas no espaço virtual, integram a segunda etapa da pesquisa. | Fonte da imagem: www.olhargeek.com.br.


Com a sua investigação, enfim, Andrea coloca que, determinadas temáticas, como o racismo e a homossexualidade, continuam, de fato, reverberando na sociedade. Em meios considerados, cada um em seu período dominante, como espaços de “exibição” perante os outros, o discurso circulante exerce papel fundamental. Levar em consideração, pois, esse discurso é essencial ao se fazer uma interpretação de um corte censório ou a de uma postagem na internet. As construções discursivas apresentam-se mais complexas do que podem aparentar em uma leitura superficial e destrinchá-las abre caminhos para um entendimento sobre a liberdade de expressão (ou a falta dela) tanto no passado como no presente.

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