Ciente da influência e dos altos índices de consumo da produção cultural norte-americana no Brasil, o pesquisador Michel Gomes da Rocha desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre quatro filmes de Hollywood e a representação da cidadania entre os anos de 1980 e 1990.
"Mississipi em chamas" (1988) do diretor Alan Parker, "Nascido em 4 de julho" (1989) de Oliver Stone, "Um dia de fúria" (1993), de Joel Chumacher e "Clube da luta" (1999), de David Fincher, foram as quatro narrativas fílmicas escolhidas. Isso porque elas evocam problemáticas semelhantes em relação à cidadania nos Estados Unidos e dialogam com o contexto histórico do país no século 20. A contribuição didática de seu mestrado, segundo Rocha, é elucidar as dinâmicas que consumimos ao assistir esses filmes.
Cena do filme "Clube da luta", um dos quatro analisados, pelo pesquisador
Rocha optou por trabalhar com o conceito de cidadania moderno, que se pretende universalista, e analisou os filmes individualmente, além de relacionando-os. "Mississipi em chamas" explora a cidadania da comunidade negra nos EUA e tem como papel lembrar para as gerações daquele momento um passado de lutas, mostrando uma série de elementos vividos pelos negros a longo prazo. "Para mim, é um filme didático que vai tocar diretamente na questão da segregação racial dos Estados Unidos", diz o pesquisador.
Já "Nascido em 4 de julho" discute a experiência do veterano de guerra, tendo, assim, um papel importante pela força da ideia do conflito bélico na identidade do norte-americano. "A guerra forja a ideia de união e coaduna pessoas que não seriam consideradas cidadãos, como o imigrante e o negro, em um contexto de paz", explica Rocha. A narrativa de Oliver Stone traz a "guerra perdida", que foi a do Vietnã, e "protagoniza um combate de memórias com narrativas que representavam a guerra por um viés conservador", que exalta o conflito bélico, escreve o pesquisador. O filme dialoga ainda com outras culturas políticas, como o feminismo, ativismo anti-guerra e ativismo negro, em um contexto de crise por conta da perda da guerra.
Abordando o contexto de crise do início dos anos 1990, "Um dia de fúria" mostra a polarização social promovida pelas "políticas neoconservadores e neoliberias após doze anos de governo republicano". A narrativa "mostra violência urbana, preconceito e xenofobia contra minorias, desemprego e os resquícios da guerra fria", conta Michel. Ele traz a crise do modelo cidadão norte-americano, o homem WASP (branco, anglo-saxão e protestante, pela sigla em inglês), que também aparece de forma latente no "Clube da luta".
O filme de David Fincher faz uma forte crítica ao individualismo, consumismo, imperalismo e alienação daquela sociedade, além de apresentar fortes metáforas e conceitos filosóficos, já antes explorados por Rocha em outros trabalhos.
Rocha conclui que a representação da cidadania nos filmes se relaciona diretamente com o contexto político dos anos 1980-90 nos Estados Unidos, evocando as problemáticas dos negros, cujo usufruto da cidadania sofreu retrocessos no período, assim como a dos pobres, "pela ascenção de um projeto de nação neoconservador e neoliberal à Casa Branca".