A rádio norte-americana KEXP, uma pequena estação que ajudou o início da carreira da banda Lumineers e da dupla Macklemore e Ryan Lewis, mudou de sede recentemente. O intuito? Estar equipada para evoluir na internet. Em território verde e amarelo, a rádio Farroupilha comemorou, no dia 16 de novembro, o segundo lugar na audiência geral (a emissora garante a primeira colocação no Amazonas). Para enfrentar um trânsito intenso, uma estação ligada cai bem, não? Com abordagens que vão do entretenimento à política, as rádios estão presentes no século XXI. Na era da convergência de mídias, as mais diversas formas são procuradas para que os programas radiofônicos tenham a atenção do público. Tal panorama é debatido em graduações com futuros jornalistas.
Mas, e o jornalismo nesse meio? Assim como as atrações esportivas e musicais, os noticiários mantêm os seus espaços e buscam contato com outras plataformas midiáticas. Prova disso é a possibilidade de ouvir as informações, ao vivo, através de sites das emissoras. Nesse contexto, Lourival da Cruz Galvão Júnior, em seu doutorado, analisou a forma como o radiojornalismo é tratado nas salas de aula. Elaborando um estudo de casos, o pesquisador analisou disciplinas dos cursos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL). A escolha dos locais é respalda no fato de ambos serem os maiores centros universitários de seus respectivos países. “São duas realidades bem díspares, porém possuem pontos em comum”, ressalta o professor. Amparado em teóricos como Ramón Salaverría e Henry Jenkins e com base historiográfica, a tese identifica que tanto os alunos brasileiros quanto os portugueses trabalham o radiojornalismo sem que ocorra uma convergência de mídias. O exercício feito para a matéria de rádio não dialoga, por exemplo, com o aprendizado de telejornalismo. Isso, no entanto, já era esperado. A novidade apresentada é: a convergência, a valer, surge tipificada. Apesar de as mídias não andarem juntas nas disciplinas estudantis, os graduandos fazem uso de “subgrupos”, “tipos de convergência”, os quais possuem lógica semelhante a do conceito mais amplo.
Notícias transmitidas pelas ondas de rádio. | Fonte da imagem: scholasticadministrator.typepad.com.
Multidisciplinar... até a página 2!
Antes da análise das graduações, levanta-se uma questão: por que não há convergência de mídias nas matérias selecionadas? Sucintamente, Galvão Júnior aponta que, mesmo com a multidisciplinaridade, cada componente da grade curricular é tratado como uma unidade, com características e procedimentos próprios. Por esse motivo, por mais aberta que seja a universidade, o modelo educacional deixa as disciplinas bem delimitadas. Tarefa de jornalismo impresso é uma coisa, trabalho de radiojornalismo é outra. Além disso, o mercado também está em um processo de aprendizagem em relação à conversa entre estruturas. Produzir um texto, em uma página digital, com vídeos, podcasts e demais incrementos ainda é algo pautado em tentativas. Ora resultam em acertos, ora em erros.
Para além das salas de aula
Do curso de Jornalismo da USP, o pesquisador explorou as disciplinas “Radiojornalismo” e “Projetos em Rádio”, ministradas pelo professor Luciano Maluly. Um adendo necessário fica por conta da matéria “Jornalismo no Rádio e na TV”, a qual é de responsabilidade do professor Luiz Fernando Santoro: Galvão Júnior a cita em seu trabalho, entretanto não a coloca na discussão profunda por se tratar de um tópico introdutório na grade curricular. Ao acompanhar as aulas de Maluly, o estudioso notou que “as ações buscam a interface [com as novas tecnologias] em um contexto tipificado de convergência”. Na universidade paulista, há a confluência de conteúdos, “porque os trabalhos feitos pelos alunos não ficam apenas no laboratório”. As produções dos estudantes extrapolam a classe e o círculo de colegas: programas de autoria dos aprendizes são veiculados na Rádio USP (93,7) e em um site. No endereço eletrônico, aliás, os graduandos disponibilizam bastidores de projetos. “Até 2014, que foi quando fechei os meus estudos, quantifiquei 260 programas. São muitos e bons trabalhos”, comenta o jornalista. O encontro de conteúdos é justamente isso: o exercício elaborado para a avaliação semestral toca na rádio universitária, é alocado no ambiente virtual, ganha divulgação em redes sociais. Dessa maneira, cria-se uma ligação entre a obra em si, o texto que acompanha o link do site no Facebook, os cartazes confeccionados avisando a data que certa atração será transmitida. Um único plano escapa das paredes da classe; não é um tema em torno do qual propostas para um punhado de matérias se casam. Percebe-se, portanto, o foco na reverberação de informações. “Pode não ter convergência entre mídias, mas há convergência na mídia”, conclui Galvão Júnior.
Imagens sonoras
Durante a sua estada em solo português, o pesquisador ficou ao lado do professor Pedro Coelho. Na Universidade Nova de Lisboa, Coelho guia a disciplina “Ateliê em Jornalismo Radiofônico”. O currículo lusitano é mais voltado para a televisão e possui uma carga teórica densa. “Não há laboratório de rádio lá, contudo um tremendo trabalho é feito”, salienta o estudioso. As primeiras aulas sobre rádio são preenchidas com ensinamentos sobre ferramentas digitais de edição. Os estudantes aprendem a manipular sozinhos instrumentos centrados na elaboração de programas. Por necessidade, aparatos tecnológicos são utilizados e, assim, tem-se uma convergência entre os “métodos alternativos”, já que não possuem uma instalação direcionada para a feitura de projetos.
Destaca-se o fato dos graduandos dedicarem atenção para um aspecto importante do rádio: a criação de imagens mentais e a preocupação com a sensorialidade. Em Lisboa, “fizeram uma matéria sobre a greve, na qual pegaram todas as sonoridades, porta abrindo e fechando, locutora falando na estação”, relembra Galvão Júnior. Os estudantes montaram o roteiro em cima de um fato jornalístico (no exemplo, uma paralisação metroviária) e, armados com os dispositivos ofertados por um veículo auditivo, tornaram o exercício altamente visual. Sons sugerindo cenas. Para a cobertura da reativação do sino do Arco da Rua Augusta portuguesa, foram gravados passos de indivíduos subindo no mirante e batidas no compasso “blim-blém”.
Luciano Maluly e Pedro Coelho ensinam “o rádio como meio de comunicação”. Transportar o ouvinte para o lugar do acontecimento, aguçando a capacidade imaginativa da audiência, é um caminho frutífero no radiojornalismo, ainda mais em uma época na qual as pessoas não são motivadas a ouvirem. “Construir um conteúdo informativo que utiliza toda a riqueza que a mídia oferece” é a mensagem passada em São Paulo e na terra da Torre de Belém.
Microfone em prol da notícia no rádio. | Fonte da imagem: mariaelisaporchat.com.
Rádio: um amor de anos
“Desde muito pequeno, sou ouvinte de rádio”, relata Galvão Júnior. O seu pai, metalúrgico, estava perto de um aparelho radiofônico toda manhã e a sua mãe não ficava atrás. Seguindo a história paterna, o pesquisador foi empregado na Ford. Até que, passeando pela Unitau (Universidade de Taubaté), descobriu o jornalismo. Ao ir a um evento da USP, no primeiro período do curso, a sua vida mudou: encontrou o livro A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos, de Gisela Swetlana Ortriwano, e conheceu, na volta para a cidade natal, a advogada Maria Aparecida Marcondes de Castro, quem o indicou para um estágio na rádio difusora taubateana. Em entrevista, o docente da Unitau há 19 anos fez questão, enfim, de salientar que o amor pelo rádio vem de outras primaveras.