As bactérias possuem seis sistemas de secreção, ou seja, mecanismos que colocam substâncias de dentro do seu organismo para fora, ou vice versa. Dessas seis variações, o sistema IV é um dos capazes de matar bactérias de outras espécies por meio da injeção toxinas. Essa descoberta faz parte dos estudos de Diorge Souza, pesquisador do Instituto de Química da USP, que, em seu pós-doutorado, continua buscando as respostas não sanadas na pós-graduação.
Os sistemas de secreção são um conjunto de proteínas que forma um conjunto complexo. O aparato se localiza nas duplas membranas celulares, atravessando-as e formando um canal extracelular. É por meio desse contato com o ambiente externo que ela pode se conectar a outras bactérias ou até a células com núcleo organizado, as eucarióticas.
Já era sabido o papel dos sistemas IV na transferência de DNA para outras bactérias, processo chamado conjugação. A novidade veio nessa função de ataque que as Xanthomonas realizam por meio dos sistemas de secreção. "Isso está envolvido com a capacidade dela sobreviver no ambiente", explica Diorge. A hipótese considerada é que a morte dos outros bacilos representa menor competição pelos nutrientes no meio e que os próprios produtos dessa eliminação podem servir de alimento para a bactéria "assassina".
Cancro cítrico
A pesquisa começou com o estudo do cancro cítrico, doença causada pela espécie Xanthomonas axonopodis, que acomete plantas como pés de laranja e limão. A bactéria invade os tecidos e forma lesões visíveis que inviabilizam o valor comercial das frutas. Além disso, a planta perde sua produtividade, à medida que utiliza parte de suas energias tentando combater o corpo estranho, e a doença é capaz de se espalhar e contaminar toda uma plantação.
A escolha desse organismo específico se deu porque a família Xanthomonadaceae é uma notável causadora de doenças, tanto nas plantas como nos seres humanos. "É essencialmente a mesma bactéria, só muda um ou outro gene e a forma como ele se relaciona com aquele hospedeiro", explica Diorge. Portanto, entender os mecanismos dessa espécie significa estar mais perto de compreender tantas outras.
Em primeira hipótese, o pesquisador considerou que os sistemas IV tinham papel fundamental na virulência da bactéria. Mas, ao remover um dos genes que codificam a produção de uma das proteínas do sistema secretor, impedir sua formação e inserir a bactéria modificada na planta, observou-se que a doença era causada da mesma maneira.
Foi necessário, então, estudar por que todo aquele aparato era vantajoso para a Xanthomonas. "Bactérias têm um genoma extremamente compacto, elas não gastam energia com coisas que não possuem função", aponta o pesquisador. A partir daí que se descobriu que ela usa esses mecanismos para matar outras bactérias.
Luta contra as bactérias
O conhecimento desse mecanismo de eliminação bacteriana abre uma série de caminhos e alternativas para o combate de doenças. Os estudos já permitiram o conhecimento de muitas das toxinas secretadas, e as possibilidades não são poucas. Segundo Diorge, "são 500 toxinas antibacterianas que podem ter atuações diversas. Cada uma pode, de uma forma diferente, matar uma bactéria, então isso pode me ensinar como lutar contra elas."
Outro mecanismo de atuação é entender como as Xanthomonas se protegem das toxinas que carregam dentro de si. "É uma bactéria, então se tem uma toxina antibacteriana ela tem que se proteger", explica. Para isso, existem as proteínas de imunidade, que se ligam às toxinas e se desligam antes da secreção.
Em experimentos, foi eliminado o gene que codifica as antitoxinas. Sem essa proteção, foram observados uma série de defeitos nas bactérias, que ficam com a superfície irregular e não formam biofilme, camada responsável pela junção de bactérias e formação de colônias.
Próximos passos
Uma vez que os sistemas de secreção são um conjunto de proteínas, os estudos de Diorge se concentram nessas interações. Um único sistema, porém, representa um conjunto grande e complexo de interação de proteínas diferentes. Portanto, é necessário realizar os estudos com pequenos fragmentos do aparato. Devido às dificuldades de estudar todo o conjunto de uma vez, é possível tentar entender todo o canal de secreção por meio do estudo de seus componentes individuais. Porém, o que se espera é poder trabalhar com partes cada vez maiores. Segundo o pesquisador, estão surgindo técnicas cada vez mais avançadas nesse campo.
Outro passo é tentar entender a atuação da bactéria Xanthomonas sem suas proteínas protetoras. Diorge descreve o procedimento: "Vamos pegar umas plantas e inocular a bactéria para comparar a infecção dessa que teve o gene da antitoxina nocauteado com a bactéria 'selvagem', original". Com isso, o que se espera é perceber a falha capacidade virulenta e assim, abrir um outro caminho no combate de doenças em plantas e seres humanos.