Nos últimos anos, a procura dos professores por recursos digitais para fins pedagógicos cresceu consideravelmente. O uso desses recursos torna a aprendizagem mais dinâmica, o que contribui para atrair a atenção dos alunos. Através de pesquisas realizadas durante sua tese de doutorado pela Faculdade de Educação da USP, Flavio Tonnetti chegou à conclusão de que as tecnologias podem também potencializar a ação docente, tornando-a ainda mais complexa. O professor é convidado a partilhar suas ações com os alunos, o ensino passa a ser menos verticalizado.
Para tentar compreender o papel dos professores que usam os recursos digitais em seu trabalho, o pesquisador utilizou os verbos fundamentais para que possamos entender a prática docente, propostos pelo professor Nilson Machado, que foi seu orientador. Os verbos são: mapear, mediar, tecer e narrar. Partindo deles, Tonnetti buscou entender de que forma essas ações docentes se modificavam com o uso das tecnologias. Com o advento das novas tecnologias, cabe ao professor utilizar seu repertório para ampliar também o poder de ação dos seus alunos. Neste contexto, o paradigma do conhecimento tem que ser, necessariamente, o da rede.
Nas escolas onde a tecnologia está presente, já se pode encontrar professores fazendo usos muito interessantes e críticos de realidades virtuais aumentadas, da interação por redes sociais e da escrita colaborativa. “Minha aposta é que se garantirmos ao professor o acesso à tecnologia ele vai utilizá-la. Mas é preciso garantir mesmo. Esse é um desafio que não apenas a Escola Básica tem que resolver, mas também a Universidade”, conta o pesquisador. A pesquisa TIC Educação 2014, divulgada em setembro pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) mostrou que entre as escolas públicas, 92% possuem acesso a internet e em 33% delas a velocidade da conexão varia de 1 a 2 Mbp/s (megabit por segundo). Um dos problemas, porém, é que essa baixa velocidade atrapalha o bom andamento das atividades, principalmente quando consideramos o fato de que na maioria das escolas mais de um computador está conectado à rede.
Segundo o pesquisador, o Brasil ainda carece de políticas públicas eficientes de acesso tecnológico. Ainda há muito a ser feito no que diz respeito ao acesso aos dispositivos e bens tecnológicos. Mesmo em metrópoles como São Paulo, é difícil encontrar internet gratuita e de qualidade na maioria dos espaços públicos. A USP, que é a maior universidade do país, não tem pontos livres de acesso no campus. “Essa desigualdade, que é marca da nossa sociedade, tem impactos negativos no que diz respeito ao acesso tecnológico nas escolas, sobretudo nas escolas públicas das periferias. Já tivemos até políticas públicas de acesso tecnológico cujo slogan se apoiava na ideia de "um computador por aluno" - mas isso foi pensado sem antes garantir "um computador por professor”, questiona.
Outro ponto levantado por ele é a necessidade de se começar a pensar sobre a questão do Letramento Digital, criando meios para que todos estejam familiarizados com as tecnologias e prontos para fazer um uso eficiente delas. “Em geral, o professor não recebe nenhum apoio e acaba levando toda culpa pelos fracassos tecnológicos da escola– que são, na verdade, os fracassos de toda a sociedade brasileira. Precisamos primeiro empoderar o professor, dando a ele melhores salários e condições de trabalho, garantindo depois os meios de acesso à tecnologia”, defende Tonnetti. “Uma vez que os recursos tecnológicos façam parte do dia-a-dia da escola eles serão naturalmente utilizados – e logo surgirão formas inusitadas e criativas de fazer uso das tecnologias, porque o professor brasileiro é muito criativo, mesmo com todas as adversidades do seu cotidiano”, completa.
Durante a pesquisa TIC Educação, 67% dos professores declararam que aprenderam a utilizar o computador e a internet sozinhos, 57% declararam ter feito um curso específico. Houve ainda os que declaram aprender com os próprios alunos (11%). Dos professores que tiveram acesso a algum curso específico, 75% pagaram do próprio bolso e apenas 27% fizeram cursos oferecidos pelo Governo. Dos profissionais com curso superior, somente 7% cursaram uma disciplina específica sobre o uso do computador e da Internet durante a faculdade.
Por quase não haver uma boa formação sobre o uso de tecnologias durante os cursos de Pedagogia e licenciaturas, os professores muitas vezes utilizam os recursos digitais como se elas fossem tecnologias analógicas. Exemplo, um professor pede para um aluno ler na internet um texto que poderia ser lido em um livro. Ou utiliza um vídeo-projetor imitando o uso que faz da lousa. Quando os professores fazem esse mal uso da tecnologia, deixam de lado novos potenciais que ela poderia oferecer – como a conexão em rede e a mobilidade. Ao integrar mídias clássicas, as mídias digitais trouxeram também novas possibilidades de uso que interferiram no modo como nos comunicamos e desempenhamos nossas tarefas. “Eu acredito que o mais importante para o professor hoje é pensar sobre estas especificidades das tecnologias digitais. Acontece que isto não é fácil e é também muito arriscado, porque nos leva necessariamente e refletir sobre a forma como estão estabelecidas nossas escolas – que talvez estejam obsoletas”, sugere o pesquisador. “Se aceitamos que as tecnologias modificaram a experiência humana, temos então que estar dispostos a pensar em novas configurações das instituições sociais, inclusive da escola”, conclui.