Clarice Lispector está entre as autoras brasileiras (apesar de nascida na Ucrânia, Clarice se naturalizou) mais reconhecidas internacionalmente. E Clarice, como qualquer grande autor, precisa de estudos mais focados para ser bem compreendida. A última década da vida da autora foi um período em que ela demonstrou uma vontade constante de redescobrir a sua infância, por exemplo. Tendo em mente principalmente essa última fase da produção de Clarice, Mell Sauter Brites Guimarães, pesquisadora no Mestrado em Literatura Brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH/USP, estuda “As infâncias de Clarice Lispector”, título de sua dissertação.
Todos os textos analisados no trabalho são narrados em primeira pessoa e trazem a infância para o primeiro plano da narrativa. Mell, que trabalha no mercado editorial, se propôs a estudar quatro contos e quatro livros da autora. Buscando “a compreensão de um viés importante e ainda pouco estudado da obra clariciana”. Os contos adultos falam de uma infância paradoxalmente sofrida e prazerosa, paradoxal como é típico da escrita da autora. Nos livros infantis, apesar do clima mais leve, suas narradoras propõem discussões sobre a morte, o preconceito e as contradições inerentes à vida.
“Ao contrário das protagonistas dos contos do primeiro bloco [de contos adultos], que aparecem isoladas em suas próprias questões e muitas vezes dependem do adulto para realizar suas vontades, aqui [nos livros infantis] o interlocutor é convocado a dividir suas angústias e instigado a chegar às suas próprias conclusões, de forma que se construa como uma criança livre.”, aponta.
O estudo indica, também, que a diferença entre os textos analisados está na “diferença de público”: no adulto a autora fala “de igual para igual”, apresentando relatos memorialísticos e autobiográficos. Já nos textos voltados para o público infantil, sua narradora dialoga com uma criança imaginária, cedendo espaço para o leitor participar da narrativa com suas vivências.
Clarice teria completado 95 anos no dia 10 de dezembro de 2015, recebendo homenagens em centros culturais e livrarias das principais capitais. Um volume de contos de Clarice, organizado por Benjamin Moser, entrou entre os destaques na tradicional lista com os 100 melhores livros de 2015 selecionados pelos editores do The New York Times Book Review, importantíssima referência do mercado editorial. A dissertação de Mell será apresentada 2017.