ISSN 2359-5191

03/03/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 25 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
“Não podemos entender a cultura indígena como homogênea”, diz pesquisadora
Tese da USP contrapõe a ideia de homogeneidade e fixidez associadas à “cultura” de populações indígenas
Matheus Tagé/Diário do Litoral

Quando se trata da população indígena, o entendimento desta ainda é cercado por desinformação e até preconceito. Contrapondo essas ideias, a antropóloga Camila Mainardi acompanhou de perto a vida na Terra Indígena de Piaçaguera, no litoral sul de São Paulo, para entender, de fato, como vivem, pensam e se relacionam os moradores das aldeias que a compõem.

Ao longo de sua pesquisa, “Desfazer e refazer coletivos. O movimento tupi guarani”, Camila mostra que o conflito e a diferença fazem parte da organização social da aldeia, contrapondo a ideia de homogeneidade e imutabilidade das populações indígenas. Para ela, os conflitos e as divergências entre grupos não são destruidores da “sociedade” indígena, mas sim produtores dela.

A antropóloga questiona que se entenda comunidade como um conjunto fixo de pessoas com características ou identidade comuns. Seu estudo mostra que, quando os moradores das aldeias utilizam o termo comunidade, referem-se a um conjunto de parentes que, em uma dada circunstância, desejam morar juntos, que estão próximos e, portanto, mantêm proximidade. A palavra não tem, então, um conteúdo fixo, ele é relativo ao contexto e a perspectiva de determinada pessoa.

“O que desejei enfatizar na tese é que como “comunidade”, não podemos pressupor que “cultura”, “etnia” ou “grupo” sejam todos coesos, estáticos, com fronteiras definidas, que existam independentes das pessoas”, diz Camila. Segundo seu estudo, casamentos, festa, jogos de futebol, acesso e permanência em certos cargos remunerados das aldeias tornam visíveis as divergências entre moradores de Piaçaguera, assim como a aproximação e o afastamento de grupos.

De acordo com a especialista, mesmo o uso do etnômio tupi guarani não é homogêneo, pois existem famílias que adotam somente o “tupi”, outras “tupi guarani”. Se para a maioria dos não indígenas o etnômio é tido como uma unidade, um grupo indígena; nas aldeias, percebem-se usos contextuais do que é (ou quem é) tupi guarani. “Quando um senhor enfatiza que é tupi, marca diferença em relação aos parentes que usam a categoria tupi guarani para se diferenciarem”, ela explica.

Um olhar sobre políticas públicas voltadas para as populações indígenas

Camila aponta que um entendimento limitado sobre a organização social indígena se reflete em um desencontro entre algumas políticas públicas destinadas a essas populações e o que fazem as populações com essas políticas. Isso porque, de um lado, espera-se fortalecer a identidade de um grupo, como se possuíssem conteúdos fixos, que pudessem ser perdidos. De outro lado, o que os indígenas fazem é recolocar as diferenças, os conflitos e divisões internas.

“Em algumas atividades de valorização da "cultura" promovidas por algumas ONGs ou em momentos de conflito pela terra, os atores não indígenas buscaram coesão e sociedade, o que indica a frequente projeção da perspectiva não indígena ao mundo ameríndio”, pondera.

Para a antropóloga, as diferenças e os conflitos presentes nas aldeias não devem ser entendidos como degeneradores, como “perda de cultura”. Camila destaca um elemento mais importante que qualquer tentativa de salvamento da suposta cultura: o salvamento e a demarcação de terras indígenas. Para formação de aldeias, rupturas e rearranjos intrínsecos ao mundo tupi guarani, é necessário espaço territorial.

“Eis a importância das demarcações territoriais e também de pesquisas com populações indígenas. Tendo em vista a atual força da bancada ruralista na Câmara dos Deputados e a possibilidade de usurpação dos direitos indígenas”, diz a pesquisadora. “Veja-se, por exemplo, a PEC 215 que se aprovada pode paralisar os processos demarcatórios de TIs –, a questão indígena está na ordem do dia”.

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