O levantamento das definições de jornalismo investigativo e sua prática no Brasil foram alvo de estudo da pesquisadora Seane Melo em sua dissertação de mestrado, feita na Escola de Comunicações e Artes da USP. A variedade de explicações sobre o que é esse campo e as dificuldades de sua prática na imprensa brasileira foram algumas de suas análises no trabalho.
Para chegar nas possíveis definições de jornalismo investigativo, Seane realizou uma revisão bibliográfica sobre o assunto. O objetivo era descobrir quais eram os discursos oficiais ou mais aceitos sobre o tema, além de tentar entender o que é necessário para uma reportagem se enquadrar nesse subcampo do jornalismo e o que torna um jornalista investigativo.
A maior parte das definições trata do tempo que se demora para fazer a reportagem e de sua profundidade. “Como ela leva mais tempo, consequentemente tem mais dados, então uma outra característica é o tamanho”, afirma Seane. Uma das definições mais utilizadas é a da associação Investigative Reporters and Editors (IRE). Segundo ela, há três critérios para que uma reportagem seja investigativa: os dados devem ser obtidos por iniciativa do jornalista, o tema precisa ser de interesse público e tem que ser sobre algo que alguém está tentando esconder.
Essa definição, porém, encontra algumas barreiras. “Se o jornalismo investigativo for definido com base em quem tomou a iniciativa, o Caso Watergate, que é o símbolo máximo do jornalismo investigativo, não é jornalismo investigativo, porque eles recebiam as informações do Garganta Profunda”, explica Seane. O Caso Watergate foi um escândalo político denunciado pelo jornal Washington Post e que provocou a renúncia do presidente Richard Nixon.
No Brasil, essa definição não corresponde à nossa realidade porque as informações importantes são obtidas de uma maneira peculiar. “A maior parte do que olhamos no jornal como furo de reportagem, nós não descobrimos porque o jornalista foi atrás, mas porque alguém vazou aquela informação”, esclarece a pesquisadora.
Há definições que divergem dessa ideia, como a do jornalista David Protess, um dos autores utilizados por Seane na dissertação. Para ele, se uma reportagem causa reforma ou indignação, então pode-se encaixar esse texto no jornalismo investigativo.
Jornalismo investigativo no Brasil
O campo brasileiro para a atuação do jornalismo investigativo não é independente por uma série de fatores. Um deles é o acesso a dados públicos. A Lei de Acesso à Informação, de 2011, que tem como objetivo garantir o acesso de qualquer cidadão a informações públicas é recente e ainda lida com uma discussão sobre sua verdadeira eficácia.
Segundo um estudo sobre o direito de acesso a informações públicas no Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) em 2008, dos 52 órgãos públicos consultados por eles, apenas 3 deram informações completas sobre os dados solicitados pela pesquisa. As informações eram sobre salário dos funcionários, lista de empregados beneficiados e valor gasto com a verba de representação.
Além disso, o Brasil não é um ambiente seguro para os jornalistas. “Sou maranhense e essa pesquisa começou porque um jornalista maranhense foi assassinado na praia”, conta Seane. “Nós ainda temos condições muito ruins para os jornalistas e eles não têm como desafiar nenhum governo, que é o pressuposto do jornalismo investigativo”. De acordo com a ONG suíça de jornalistas Press Emblem Campaign, o Brasil foi o sétimo país mais perigoso para jornalistas em 2015, ficando atrás de lugares como Síria, Iraque, México e França — o último por conta do atentado ao Charlie Hebdo.
Novas formas de se fazer jornalismo investigativo
Apesar de o jornalismo investigativo despertar o interesse de estudantes de jornalismo, pouco é difundido sobre como se tornar um repórter da área. “Hoje temos a Agência Pública, que fala ‘somos uma agência de jornalismo investigativo’, mas fomos ter isso apenas em 2012”, diz Seane.
A pesquisadora conta que o jornalismo investigativo, algo antes exclusivo dos grandes jornais, pode se tornar mais democrático com as novas tecnologias. “É a partir da possibilidade de trabalhar com grandes dados e ter acesso a isso que o jornalismo investigativo pode crescer e deixar de ser uma coisa de poucos jornalistas privilegiados”.