A diabetes é considerada uma epidemia e atinge, hoje, mais de 415 milhões de pessoas no mundo. Dentre esse número elevado de pessoas, boa parte não foi diagnosticada ainda. Resultados de estudos clínicos com diabéticos que começaram a partir da década de 1980¹ sugeriram que ocorrem alterações no organismo do indivíduo no período em que a doença não é tratada de forma correta que permanecem mesmo após o controle intensivo da glicemia. Essas alterações não são detectadas em exames médicos convencionais e, ao longo prazo, levam ao desenvolvimento de complicações da doença.
Estudar vias moleculares que sejam parte dessa memória de um período pré-tratamento foi o objeto de doutorado de Antônio Anax Falcão de Oliveira, com orientação da professora Ana Paula de Melo Loureiro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Anax escolheu estudar a memória que leva ao desenvolvimento de danos renais. Eles explicam que a doença renal acomete cerca de 40% dos indivíduos diabéticos, e que “o impacto que isso tem para o sistema de saúde é muito grande” porque os custos de diálise e de transplante, estágio crônico da nefropatia, são bastante altos. Além disso, a diabetes é o fator que mais contribui para a doença renal.
A pesquisa utilizou ratos diabéticos divididos em dois grupos. Ambos passaram um período inicial sem o controle da glicemia, e em seguida receberam o tratamento com insulina. Para o primeiro grupo, foram quatro semanas sem tratamento e quatro com, enquanto para o segundo houve um intervalo de tempo maior, doze semanas. Anax explica que o objetivo dos testes era reproduzir em ratos o que acontece nas pessoas e com isso tentar entender “o que acontece, nesse período inicial e que não é revertido, que justificaria ele [o rato] ter complicações depois.”
Os ratos, após o período de tratamento, passaram a ter a glicemia sob controle e aparentemente nenhum dano no rim. Os pesquisadores avaliaram, no entanto, que havia um via metabólica afetada, a da fibrose do rim, que não voltou à sua atividade normal após o tratamento. E, embora os animais não tenham chegado ao estágio da doença durante os testes, sabe-se por estudos anteriores que essa via leva ao desenvolvimento da doença. “Essa doença renal acontece porque, ao longo da vida, existem várias vias que são ativadas e levam o rim a ter uma característica fibrótica, como se o órgão ficasse enrijecido e perdendo gradativamente a sua função.” Mesmo nos ratos que estiveram sem tratamento pelo menor período parte dessa via se manteve alterada após o controle. O que sugere, segundo Anax, que a alteração é muito precoce e que acontece de forma gradual.
Diagnóstico e tratamento
O tratamento da nefropatia diabética consiste em estabilizar o desenvolvimento da doença e não tem avanços significativos há algum tempo. Anax explica que “o que se faz hoje para tratar pacientes diabéticos e prevenir a doença renal é o que se fazia há vinte anos” e, portanto, “existe uma necessidade urgente de identificar marcadores para diagnosticar a doença precocemente.”
A descoberta das alterações no organismo que constituem essa memória e de exames que possam identificá-las são novidades que podem ajudar no diagnóstico de futuras complicações da doença mesmo em pacientes diabéticos saudáveis. Mas, enquanto esses estudos ainda estão em andamento, o diagnóstico precoce da diabetes e o começo do controle da glicemia o mais cedo possível são fundamentais para que menos complicações ocorram.
1- Artigos:
Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33)
Modern-Day Clinical Course of Type 1 Diabetes Mellitus After 30 Years’ Duration
The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications and insuline-dependent diabetes mellitus (The New England Journal of Medicine, September 1993)