ISSN 2359-5191

31/05/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 66 - Saúde - Instituto de Química
Inibição de proteína pode ser alternativa no tratamento do câncer de pulmão
Pesquisas mostram que uso de fármacos para inibição de quinase dificulta crescimento de tumores no órgão
Segundo Basseres, o câncer de pulmão é um dos mais letais do mundo, e com menor índice de sobrevida. Imagem: Reprodução.

O câncer de pulmão se figura como um dos mais letais entre os outros tipos da doença. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, a estimativa de sobrevivência após recebido o diagnóstico nesse caso é de apenas cinco anos. No ano de 2012, os dados apontavam para uma incidência de 1,82 milhões de novos casos no mundo. Com isso em mente, a professora Daniela Basseres, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, comanda um grupo de pesquisa que procura inibir um tipo de câncer de pulmão comum, que é induzido por uma alteração genética em um oncogene (genes relacionados ao surgimento de tumores) conhecido como k-ras.

A proteína k-ras é frequentemente mutada em cânceres humanos, inclusive, já existe um amplo conhecimento sobre ela na literatura, que comprova sua relação de causalidade com o fenótipo maligno, ou seja, ela causa câncer. Não existe, todavia, uma terapia efetiva para essa via, dado o fato de ser difícil inibir diretamente a atividade dessa proteína. Nesse sentido, uma abordagem alternativa é identificar as proteínas alvo reguladas direta ou indiretamente pela k-ras, que possam contribuir para o desenvolvimento do fenótipo maligno e que, ao mesmo tempo, possam ser exploradas terapeuticamente. “Então, buscamos alvos da via de sinalização dessa oncoproteína [proteínas associadas ao surgimento de tumores] que sejam drogáveis, ou seja, que sejam passiveis de serem inibidos farmacologicamente e de serem usados como terapia em um paciente”, afirma a pesquisadora.

Um desses alvos que é o foco de estudo atual do laboratório é uma quinase (proteínas com atividade enzimática de adicionar grupos fosfatos a outras proteínas), que possui um papel importante na angiogênese tumoral, isto é, no crescimento de novos vasos sanguíneos. “A vantagem de se trabalhar com uma quinase é que elas são passíveis de serem inibidas farmacologicamente e existem inibidores já desenvolvidos para muitas delas”, argumenta Basseres. O funcionamento das quinases se dá da seguinte maneira: elas usam uma molécula de ATP (trifosfato de adenosina, molécula responsável pelo armazenamento energético) como doadora de fosfato, transferindo o grupo fosfato dessa molécula para a proteína substrato. Assim, é possível desenvolver moléculas que imitem o trifosfato de adenosina e que interajam com a quinase, mas que não sejam doadoras do grupo fosfato, inibindo sua atividade. A quinase em questão é a IKKbeta. “Existem algumas evidências de que essa quinase poderia estar envolvida nas vias de ras. Publicamos artigos anteriores mostrando que essa quinase é necessária para a ativação de uma via oncogênica importante acionada pela k-ras. Ou seja, essa oncoproteína vai ativar uma via de sinalização oncogênica importante, mas para essa via ser ativada, ela depende da presença dessa quinase e da funcionalidade dela”, argumenta a pesquisadora.

Os testes laboratoriais para comprovar a eficácia de utilizar tal quinase como alvo terapêutico foram feitos em camundongos geneticamente modificados que desenvolvem câncer de pulmão induzido por alterações na oncoproteína em questão. Uma vez que os animais desenvolvam tumores, diferentes terapias são testadas. “Como sabíamos que era um câncer de pulmão dependente de k-ras, tratamos os camundongos com um inibidor farmacológico específico da quinase IKKbeta, enquanto mantivemos um grupo controle, que recebeu tratamento placebo”, aponta Basseres. Após um mês de tratamento, foi avaliado que o grupo de animais que recebeu o inibidor possuía tumores muito menores em relação ao grupo controle. Uma das razões para isso, como os estudos mostraram, é que os tumores tratados tinham uma densidade vascular muito inferior e, consequentemente, menor irrigação. “Este é um efeito que não é limitado somente às células tumorais, mas afeta as células vasculares não tumorais associadas ao tumor, que constituem um componente importante do microambiante tumoral”, explica a pesquisadora.

Todo tumor possui seu microambiente, que é formado por outras células além das tumorais. A exemplo, tem-se as células endoteliais, responsáveis por formarem os vasos, e as células imunológicas, que acabam criado um quadro inflamatório ao redor do tumor. Nesse sentido, a inibição da IKKbeta causa um ruído na comunicação entre as células tumorais e as células endoteliais. Para um tumor começar a afetar seu paciente, é necessário que cresça acima de um determinado tamanho e, para isso, é necessário que ele recrute vasos sanguíneos para receber nutrientes e oxigênio. Isso vale também para as metástases, que são os tumores que se espalham para outros órgãos do corpo. Uma terapia que consiga dificultar este processo de formação de novos vasos se torna interessante, por consequente. “Do ponto de vista terapêutico, isso é muito interessante porque as estatísticas mostram que a maioria dos pacientes que tem câncer vão a óbito, não por causa do tumor primário, mas por causa do crescimento de metástases distantes em outros órgãos. Ou seja, a morbidez está associada com a doença metastática”, acrescenta a professora.

As pesquisas mostraram, ainda, que quando a inibição de IKKbeta ocorre apenas nas células tumorais, e não nas endoteliais, a formação de vasos também fica comprometida. Dessa forma, a inibição da IKKbeta prejudica o recrutamento por parte do tumor, de células endoteliais. Segundo a pesquisadora, a pesquisa foi mais a fundo e verificou que a inibição sistêmica dessa quinase também afeta a formação de vasos diretamente em um modelo não tumoral de angiogênese patológica da retina. Portanto, uma terapia baseada na inibição da IKKbeta pode ser benéfica, não só para o câncer, mas também para outras doenças que dependam de angiogênese.

“Achamos que essa quinase, no futuro, vai poder ser explorada clinicamente. Não penso que ela vai ser a cura, que vai levar a regressão tumoral e vai curar o paciente. Mas em combinação com outras terapias já aprovadas, ou com outras drogas que estão em investigação, acho que ela vai ser bastante importante no controle tumoral para pacientes que são portadores dessa via oncogênica induzida pela k-ras”, finaliza a pesquisadora, acrescentando que, como a via de k-ras é presente em outros tipos de câncer – como o de pâncreas -, o tratamento poderá ser usado em outros tipos de cânceres além do de pulmão.

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