São Paulo (AUN - USP) - “É preciso agredir a platéia para que ela saia de um sonho alienante, para que mude algo nela”, afirmou o professor de Teoria Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Camillo Penna, a respeito das intenções tropicalistas. Segundo ele, o tropicalismo ridicularizava e reduzia a platéia, formada principalmente por estudantes, à sua mediocridade, para que ela pudesse se reconhecer ora com escárnio de si mesma, ora observando sua própria tragédia.
O professor João Camillo Penna e José Miguel Wisnik, professor de Teoria Literária da USP, músico e compositor, ministraram juntos uma palestra sobre Tropicalismo na Faculdade de Letras da USP, recentemente. A palestra abordou, principalmente, o livro “Verdade Tropical”, que foi escrito por Caetano Veloso e publicado em 1997 e narra sua vida, parte da história do Brasil, da música brasileira e do tropicalismo.
O tropicalismo foi um movimento cultural do final dos anos 60, principalmente 1967 e 1968. Tratava das grandes questões e problemas do Brasil, porém, de forma distinta do que já havia sido feito. Negava e criticava a arte alienada, que ignorava os problemas socioeconômicos e culturais do país e louvavam sua beleza como se eles não existissem, e a arte politizada, que buscava a conscientização do povo de maneira didática e a que o tropicalismo considerava limitadamente nacionalista.
Mais do que isso, porém, os tropicalistas questionavam esses conceitos de arte e os limites entre elas, e faziam uma arte com apropriações, montagens, destruição, encenações, metalinguagem e recriação, que combinava elementos brasileiros e estrangeiros de maneira antropofágica, como os modernistas, dentre eles, Oswald de Andrade. Assim, o Cinema Novo, de Glauber Rocha, o teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, as obras de Hélio Oiticica, o livro PanAmérica, de José Agippino de Paula e as músicas de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Mutantes são alguns dos elementos que dialogavam entre si na construção do tropicalismo.
A violência constituía um tema e uma abordagem comum aos tropicalistas, mas não era mero fruto de uma vontade sadomasoquista e, sim, uma maneira de saná-la. A arte seria capaz de transformar alquimicamente os horrores do país em algo belo e deveria usar o mesmo princípio da homeopatia, isto é, curar o mal através do próprio mal.
Segundo Wisnik, “só se transforma se for capaz de assumir o outro em si mesmo”, o que tornava necessário consagrar o que fosse reacionário para depois poder enfrentá-lo. Apenas o reconhecimento de que a ditadura militar vigente não era uma expressão de uma força estranha, mas de uma força do próprio Brasil, traria a possibilidade destruí-la. “Os inimigos somos nós mesmos”, completou João Camillo Penna.
A violência também era vivificada pelo próprio artista, que transformava sua arte em um ritual sacrificial, em que ele mesmo era violentado por ela o tempo todo. O sacrifício também se mostra no momento em que o artista passa a ser considerado subversivo, que é o principal inimigo eleito pelo regime militar da época e por qualquer outro regime de exceção. João Camillo Penna comparou o subversivo ao “homem sacro”, que no direito romano corresponde ao homem que, tendo cometido um crime hediondo, é banido tanto do espaço sagrado como do profano e não pode ser sacrificado aos deuses, mas pode ser morto por alguém. Assim, o artista e os outros subversivos passam a ter uma “vida nua”, desprovidos de seus direitos civis e vulneráveis a investidas surpresas do Estado.