São Paulo (AUN - USP) - Leis de incentivo fiscal para a cultura, em especial, a lei Rouanet, dão a empresas privadas o poder de censurar montagens e grupos de teatro que não lhes interessam. “É tão terrível quanto a censura direta.” É o que pensa o dramaturgo César Vieira, diretor do grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, fundado em 1966 e atuante até os dias de hoje, com a montagem João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata.
A lei Rouanet é federal e permite que pessoas físicas e empresas financiem a cultura, o que lhes proporciona um desconto no imposto de renda. No que diz respeito, principalmente, a essas empresas, o financiamento proporciona o vínculo de seus nomes com ações sociais, o que traz visibilidade e aceitação, numa espécie de estratégia de propaganda social.
César Vieira participou de uma palestra, na Escola de Comunicações e Artes (ECA), organizada pelos integrantes do Projeto Temático A Cena Paulista: um estudo da produção cultural de São Paulo, de 1930 a 1970 a partir do Arquivo Miroel Silveira, na qual falou sobre toda a sua produção artística e, especialmente, sobre censura. O Arquivo Miroel Silveira na ECA e possui mais de seis mil processos de censura prévia ao teatro, resgatados, em 1988, pelo professor da ECA, Miroel Silveira, do Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP – SP). O projeto temático, além de catalogar e conservar os processos, estuda- os sob diversos pontos de vista ou eixos de pesquisa, entre eles o teatro amador, as palavras proibidas e a influência do teatro português na produção teatral paulista.
Além de criticar a lei de incentivo cultural federal, o dramaturgo elogiou a lei de incentivo a cultura do município de São Paulo, que, em sua opinião, apóia o desenvolvimento de um teatro cidadão. Essa lei desconta uma porcentagem, votada pela câmara dos vereadores, do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), para destinada ao incentivo cultural. Além disso, o incentivo é dado mediante inscrição do projeto cultural e orçamentário por parte do interessado e subseqüente avaliação por uma comissão formada por representantes de entidades culturais e da Secretaria Municipal de Cultura.
O grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, porém, consegue sobreviver e realizar seus objetivos através do que chamam de “Tática Robin Hood”. Assim, vendem seus espetáculos a empresas e outras entidades e utilizam o dinheiro para manter sua sede e arcar com os gastos de levar o espetáculo a bairros populares gratuitamente ou a preços simbólicos, o que consideram importante devido à característica transformadora do teatro. “Ninguém sai impune de um espetáculo”, afirmou.
O nome real de César Vieira é Idibal Pivetta, advogado do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), conhecido por defender presos políticos durante a ditadura militar no Brasil. Ele conta que adotou esse nome artístico para driblar a censura, pois todas as peças escritas sob o nome de Idibal eram vetadas completamente sem que fossem ao menos lidas, já que seu nome era ligado, também, ao movimento estudantil. Ele revelou, ainda, que percebia uma internalização da censura pelos artistas, que se auto-censuravam no momento da escolha dos temas e da criação dos enredos das peças.