São Paulo (AUN - USP) - Caminhando pelos extensos corredores da Faculdade de Educação da USP, no Bloco C, é possível encontrar uma sala onde um grupo de pesquisa e ação planeja projetos de extensão voltados para a educação infantil: o CACTUS - Instituto de Educação e Cultura, orientado pela professora Lisete Arelaro. O processo de pesquisa do CACTUS é coletivo e autogestionado. Seguindo essa tônica, padrões de ensino e de organização do trabalho docente são reconfigurados, como se pode constatar também na experiência do Projeto Piá, realizado pelo grupo há 10 anos, que recebeu no começo desse ano o Prêmio Itaú Excelência Social na categoria educação infantil.
O Projeto Piá é realizado em um espaço na Barra Funda, o Centro Esportivo e Educacional “Raul Tabajara”, e atende 50 crianças, metade delas em período integral, e a outra metade em período complementar à escola. Boa parte do público é proveniente de albergues de moradores de rua. A proposta do Projeto é experimentar um trabalho de educação popular para crianças e de formação política para jovens e adultos. Os 15 educadores trabalham em sistema de rodízio, onde eles mesmos cuidam da comida, da faxina, e das atividades educacionais.
De acordo Lizandra Guedes, pedagoga que atua desde a fundação do Projeto, pretende-se “construir uma pedagogia da resistência numa perspectiva da emancipação. Não é resistir e pronto. É resistir aos convites de uma sociedade com a qual não compartilhamos os valores: dominação, consumo, indústria cultural. Em termos de criança quer dizer que vai se trabalhar a construção de identidade”, afirma.
Outra característica importante do projeto é o estabelecimento de uma relação com a comunidade – no caso o bairro da Barra Funda e com os pais. Alguns deles participam de projetos de complementação, com formação política e discussão de temas que interessam a eles. Outra parte realiza trabalhos comunitários, como o mutirão de reforma do clube, ou ateliê de marcenaria e costura.
Na área de formação de educadores, o Projeto Piá trabalha com o Movimento dos Sem Terra (MST), de modo esporádico durante os encontros de formação do movimento, e com o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), onde há um trabalho feito diretamente nas comunidades, formando educadores e atuando nas cirandas – espaços dedicados à educação infantil.
Quando questionada sobre os desafios da educação infantil na rede pública, Lizandra Guedes destaca que o Projeto Piá não pretende disputar esse espaço, e afirma “Somos bastante céticos sobre metodologias redentoras, que vão resolver os problemas do ensino. É preciso pensar primeiro os fins e depois os meios”. Em sua opinião, o grande desafio da educação hoje é atender as necessidades da educação popular, não como ferramenta de transformação social, mas como uma ferramenta de disputa de um projeto de sociedade, onde pessoas bem formadas estejam cientes dos seus projetos e de sua capacidade organizativa para que possam promover essa transformação.