ISSN 2359-5191

04/10/2007 - Ano: 40 - Edição Nº: 53 - Educação - Faculdade de Educação
Especialista critica propostas estatais para o Ensino Fundamental paulista

São Paulo (AUN - USP) - Os sinais de um novo projeto para a educação estadual paulista começam a despontar. A propaganda da Secretaria do Estado da Educação firma que pelo menos dez metas terão sido alcançadas até 2010 – entre elas, a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos. Esta semana (26), a secretária Maria Helena Guimarães de Castro noticia a implantação, a partir de 2008, de uma avaliação unificada dos estudantes do segundo ano do Ensino Fundamental I, o antigo primário, para constatar se a alfabetização está concluída ou não. Caso o resultado seja negativo, as crianças devem passar por um período de recuperação.

Parece uma previsão otimista para a conhecida “progressão continuada”, mas não é. Na esteira deste projeto vem a reorganização dos dois ciclos de formação escolar em três. A professora Lisete Arelaro, da Faculdade de Educação da USP, afirma que já a organização em dois ciclos era puramente cosmética. É imperativo, portanto, questionar em que medida esta renomeação continua não transformando estruturalmente o Ensino Fundamental paulista. Autora de O ensino fundamental no Brasil: avanços, perplexidades e tendências, Lisete se dedica atualmente à realização de uma pesquisa sobre a implantação do Ensino Fundamental em nove anos.

A professora conta que o ensino seriado foi criado para a própria organização do professor, mas acabou tornado em método repressivo: “O nosso sistema educacional é um sistema elitista”. Ponto pacífico é que a repetência nos primeiros anos engendrava traumas com conseqüências praticamente irreversíveis nos educandos, o que fazia urgir uma reestruturação. No Estado de São Paulo, contudo, a organização em ciclos instituiu a conhecida (e reprovada) progressão continuada, em que a repetência só tem chances de acontecer nos anos de viragem.

Lisete esclarece que se tratou de uma medida eminentemente formal e que, diferente do que foi testemunhado em estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não houve a incorporação das estratégias pedagógicas que os ciclos formativos pressupõem. Os tais ciclos são bandeira de conhecidos pedagogos como Miguel Arroyo, que realizou a implantação em Belo Horizonte; eles estão ligados à definição de núcleos de vida para a escola. Daí que o centro das políticas pedagógicas deixa de ser o conteúdo e passa a ser o próprio corpo de alunos, considerando as peculiaridades de cada faixa etária. Em São Paulo não há este lastro.

Mais além, esta reorganização dá certeza da instituição do Ensino Fundamental em nove anos em todo o estado, já que o chamado “ano um” (em que crianças de 6 anos já têm opção de matrícula) seria incorporado ao primeiro ciclo da Educação Básica. Lisete atenta para isso e lembra que a meta de implantação até 2010 é uma exigência do governo federal. Na contramão, a professora acredita que as redes públicas paulistas ainda não estão completamente preparadas para receber as crianças e se preocupa especialmente com as conseqüências dessas alterações para os educandos: “Você está discutindo especificamente a questão do letramento das crianças de 6 anos”. A Educação Infantil paulista, testemunha ela, vai perder um ano: “Como está começando antes? A criança de 6 anos já está lá. Na cidade de São Paulo ela está atendida – sobram vagas para baixo dos 5”.

Adeus lancheira
Nos primeiros dias da primeira série, os cadernos e a mochila têm toda a graça do mundo: são coisa de gente grande. Isso enquanto o “dia do brinquedo” se limita à novidade das canetas. Só até as mãozinhas sentirem saudades da areia parquinho. As confissões informais de professores do chamado “ano inicial” do Ensino Fundamental à professora Lisete Arelaro e sua equipe de pesquisa revelam pontos problemáticos da inclusão de crianças de 6 anos no ciclo básico. A entrada da criança de 6 anos para uma escola de Ensino Fundamental, “que tem horário, que tem hora pra ir fazer xixi, que tem a carteira, que não tem tanto espaço, com classes também mais numerosas e com uma professora que tem como orientação e princípio a preocupação com o conteúdo stricto sensu” é uma operação expressiva na vida escolar. Karyn Bulbarelli, psicóloga e educadora, vê pontos positivos na medida: “Favorece (ou deveria favorecer) o contato da criança com a leitura e com a escrita, além de ampliar a cultura escolar dos alunos (pois passam mais tempo na escola)”; ela lembra, no entanto, que “isso não foi analisado de forma empírica”, podendo abrir importantes discussões.

Na Escola de Aplicação da USP, que trabalha em condições próximas das ideais, a organização do espaço para as classes de 6 anos é diferenciada, mas apenas do lado de dentro das salas. Lisete brinca dizendo que o principal problema da Escola da Aplicação e da Creche é a existência da Faculdade de Educação entre elas – o que dificulta o diálogo até mesmo entre os professores, além de impedir o acesso das crianças ao parquinho. O caso das outras escolas públicas do estado é mais grave: “Não vejo nenhum movimento adaptação dos prédios para a recepção dessas crianças”.

A professora explica que São Paulo tem uma das redes mais antigas do Brasil e que as escolas de educação infantil já contam com mais de 70 anos de existência: “E com 70 anos elas têm alguma tradição. Sem dúvida, elas têm espaço para brincar. Na década de 60 para 70, a área construída era muito pequena. Eram escolas que tinham quatro, cinco salas no máximo – partindo da idéia dos arquitetos de que a Educação Infantil podia prescindir do prédio. Você tinha que construir mais espaços com outras características”. Estas preocupações formais têm a ver com o próprio modelo de educação infantil desenvolvido por aqui.

“Um grande problema que professores de educação infantil afirmam”, ensaia a estudante da graduação em Pedagogia, Areta Alem Santinho, “é que na rede pública não se defende a alfabetização nessa idade: estimula-se o desenvolvimento de outras áreas”. A moça, que é professora de 4ª série pela rede pública estadual, explica que esta conformação define propostas de ensino que vão além da visão da escola de educação infantil como o lugar seguro em que os pais deixam os filhos para trabalhar. Lisete concorda e ressalta diferenças cabais entre uma organização e outra, notando que o ideal é que haja diálogo efetivo com as políticas pedagógicas da escola de zero a cinco: “Comer”, por exemplo “é um horário de socialização, faz parte do projeto pedagógico. Obviamente isso não acontece no Ensino Fundamental. É outra lógica. A escola de Ensino Fundamental acabou se fechando muito – ela tem que alfabetizar, mas não precisa ser desta maneira”.

Em outras regiões do país, lembra a estudante Areta, o desenvolvimento histórico da Educação Infantil não é tão expressivo e por isso há interesse de aglutinar mais um ano ao Ensino Fundamental, aquele que é garantido constitucionalmente como obrigatório e gratuito. Para estes outros estados haveria mais verba disponível, da parte do governo federal, para a educação pública. Ela nota também que não há um processo de formação docente para receber as novas crianças. Em 1996, quando surgiu a Lei de Diretrizes e Bases, admitiu-se a Educação Básica como uma combinação de Educação Infantil de zero a 6 anos, do Ensino Fundamental de oito anos, mais o Ensino Médio de três ou quatro: “Entendemos que essa seria uma situação ideal. Então vamos defender a Educação Básica, e não o Ensino Fundamental de nove anos”, afirma Lisete.

Segundo a professora, meados de setembro é o melhor período para visitar as unidades, porque as crianças já estão acostumadas com a rotina escolar. O grupo dividiu-se para a atuação nas escolas – elas somam 24 nas cidades de Campinas, São Bernardo do Campo, São Paulo, e Suzano, mas podem aumentar para mais de 30. A escolha das cidades foi feita, conta Lisete, por serem locais em que a municipalização do ensino já se desenrolou por inteiro ou está em estado avançado. Houve ainda a preocupação de trabalharem na própria universidade com a Creche e a Escola de Aplicação. A pesquisa que está sendo desenvolvida por Lisete Arelaro tem momentos de estudo, formação e prática, envolvendo 12 estudantes de graduação e um de mestrado. Os estudantes passaram por um período de preparação e agora, com roteiros às mãos, iniciam o trabalho de campo.

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