São Paulo (AUN - USP) - No próximo dia 23, às 19h30, Hamlet, Amleto e Ofélia entram na roda. Trata-se de uma das mais importantes atividades promovidas pelo Laboratório Experimental de Arte-Educação & Cultura (Lab_Arte) da FEUSP, o Pensarte 2007, que tem uma programação quinzenal de recitais e colóquios. Esta terça, o evento contará com um exercício cênico de Leonardo Liberti, Edson Liberti e Fernando Lopes. Ele acontece na sala 118 do bloco B da faculdade e a entrada é franca.
Coordenado pelo professor Marcos Ferreira Santos e mais quatro alunas de pedagogia, este laboratório didático ajuda a temperar um prato tornado insosso pela indiferença histórica: o campo do conhecimento sobre arte-educação. Nascido da demanda de alunos por formação mais qualificada em termos de arte-educação e diversidade cultural, ele carrega em seu seio a premência da experimentação das diversas linguagens artísticas. A motivação não vem do mercado, mas especificamente de um movimento de ordem política: dentro e fora da Faculdade de Educação, dentro e fora da USP, arte-educadores lutam por espaços.
Estudantes da ECA fomentam discussões sobre lei e realidade do ensino de arte
Outro grupo sentia deficiências formativas nesse âmbito: os estudantes da licenciatura e Artes Plásticas, Cênicas e Música da Escola de Comunicações e Artes da USP. Sem reserva de vagas nas disciplinas de arte-educação da FEUSP e com a transformação dos departamentos de artes em reinados do bacharelado, estes estudantes sentiam-se impelidos a dividir o pouco que tinham (em termos de leituras e experiências). “Ou a gente se unia ou não tinha nada”, conta o estudante de Artes Plásticas, Guilherme Leite Cunha, que faz parte do Grupo de Estudos em Arte-Educação da ECA-USP.
Dessa organização informal surgiu a Semana de Arte Educação, cuja segunda edição foi finalizada sábado último no Centro Cultural São Paulo. O sentido de um evento como este acontecer do lado do outro lado dos muros uspianos é primoroso: a platéia, formada pro professores e estudantes dos mais variados lugares, gozava do espírito de união profissional; “Nós estamos gravando todas as palestras”, indica uma professora infantil.
O rosto jovial no centro da mesa era um signo do inconformismo: formada no curso de licenciatura em artes plásticas pela ECA-USP, a professora Patrícia D'Ávila leciona na rede pública estadual por convicção. Na tarde de 13 de outubro, ela dava testemunho pessoal do sistemático descaso perpetrado contra arte-educadores – no papel de lei e na sala de aula.
O relato dela, ditado a quente, não é estanque – corroboram-no as falas de quem, há décadas, participa da construção do ensino de arte em São Paulo e quem, ainda na faculdade já luta pela dignificação do estudo da arte-educação. Patrícia falava de assédio moral por parte da administração escolar e dos preconceitos que via internalizados nos alunos de periferia – ambos sentimentos confrontados com as incongruências de uma formação nas artes eruditas e a realidade múltipla da arte popular que faz parte do universo dos alunos.
Guilherme delineia o histórico de debates sobre arte-educação na Universidade de São Paulo. O jovem atribui a raiz deste problema formativo à reforma educacional levada a cabo pelo regime militar – escondido sob a bandeira da ampliação do acesso ao ensino público e gratuito. Por meio do Decreto 5.692/71 e em um cenário de diálogo intenso entre o MEC e o USAID (United States Agency for International Development), as escolas foram obrigadas a excluir disciplinas críticas como a Filosofia e a Sociologia e inserir a Educação Artística. O que, de forma alguma é conceitualmente ruim, mas, na prática, condicionou o ensino à insustentabilidade. Guilherme critica: “Você já imagina como é que essa Educação Artística vai entrar no currículo...”.
A criação dos departamentos de artes da USP finca os pés na necessidade de formação de quadros para ministrar as aulas de Educação Artística, mas, até hoje, a demanda não é cumprida com qualidade: não há acompanhamento continuado (e em serviço) da formação dos professores que já estão nas redes – algo garantido, segundo Iveta Borges, professora do Instituto de Artes da Unesp, pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Chamados a lecionar em quatro linguagens (artes visuais, teatro, música e dança), os professores são obrigados a alcançar um padrão a que não correspondem os salários e menos ainda o tempo do lado de dentro da sala de aula: “O que advogo hoje é que precisamos, sim, investir melhor na nossa formação”, termina Iveta.
Estas escolhas políticas fizeram com que tanto professores, quanto educandos perdessem a possibilidade de sujeição em relação às práticas artísticas, e também extirparam reflexões sobre o seu ensino. Cristina Pires, professora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária da Unicamp, lembra das necessidades especiais do Ensino Infantil neste cenário: “Nem o especialista está preparado, nem o pedagogo está. Um não tem formação artística e outro não tem formação criancista”. O testemunho da estudante de pedagogia Eliana Scaravelli Arnoldi sobre o efeito real das aulas de arte na para quem se forma em Educação confirma a fala de Cristina: “Os comentários são enxutos e presos a referências bibliográficas. As coisas ficam desconexas. Como estudante de pedagogia, eu acho que esses conhecimentos não servem na prática”.
Os debates da Semana de Arte-Educação começaram no dia 6 de outubro, com uma apresentação da professora Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, autora de Arte-Educação no Brasil, das origens ao modernismo e alavancadora de um dos primeiros cursos de pós-graduação em arte-educação no Brasil – na década de 80, parte integrante do Departamento de Artes Plásticas. Hoje, na ECA, forma-se, anualmente, um número ínfimo de arte-educadores (cerca de cinco por departamento).
Poética para (quase) todos
A professora Rosa Iavelberg, da Faculdade de Educação da USP, ressalta a importância dos Parâmetros Curriculares Nacionais para que o professor possa assumir ideais e traduzi-los em práticas dentro sala de aula: “Não se trata de uma abordagem metodológica; é um conjunto de normas que podem nortear a prática educativa”. Ela, assim como as professoras que contavam a história dos profissionais da arte-educação paulista, concorda que falta investimento formativo, mas indica uma solução diferente para o problema. O Centro Universitário Maria Antônia é dirigido por Rosa e, lá, ela conta, se realizam muitas das pesquisas e processos de ensino sobre arte-educação por parte da USP. Ela atribui papel fundamental à extensão do conhecimento universitário aos que procuram o Maria Antônia para as oficinas, mas também às parcerias com as redes públicas.
Rosa afirma que o atendimento por parte de gente de fora da USP é grande, mas não conta que parte considerável dos cursos oferecidos pelo Maria Antônia é paga. Isto é o que conta Eliana, aluna de Rosa em uma disciplina optativa em arte desta faculdade. Restam iniciativas como o Lab_Arte e como o ônibus CARNE, levado a cabo pela Maria Antônia como um projeto de trânsito interdisciplinar da arte na sala de aula e nas ruas. Dentro do CARNE, estudantes de escola pública são convidados a dar voz a suas próprias percepções sobre a obra de arte – algo que os especialistas chamam de poética do sujeito artístico, mas que está longe de se realizar em plenitude.