ISSN 2359-5191

07/11/2007 - Ano: 40 - Edição Nº: 75 - Educação - Faculdade de Educação
Mestrado aborda relações entre alfabetização e definição sexual das crianças

São Paulo (AUN - USP) - “Poderíamos, num retorno à infância e à estruturação do universo lingüístico da criança encontrar alguma relação entre a aquisição da leitura e as diferenças sexuais?” Este é um dos principais questionamentos de uma dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Educação da USP – FEUSP. Baseada no que a psicanálise francesa pensou sobre os períodos de sexuação infantil, Karyn Bulbarelli atribui à figura da professora-mulher um papel essencial nesse processo, que, segundo avalia sua tese, transcende os planos social e econômico. O assunto, entretanto, é mais complexo do que parece.

A motivação de Karyn é praticamente a mesma que a de aproximadamente outros 1500 trabalhos que estão sendo compilados em um banco de dados. Com um financiamento de R$ 18.300,00 pelo CNPq, o projeto é trabalho de um grupo de pesquisa em Relações de Gênero e Educação, da FEUSP, que se debruça na produção sobre sexualidade e gênero de 1990 a 2006. O grupo é integrado por pesquisadoras como Cláudia Vianna, que observa que a produção sobre este assunto se intensificou a partir de 2005 e, diferente de Karyn, vê estes processos sob o viés das ciências sociais. “Por onde eu estou construindo as minhas reflexões?”, responde Cláudia, “a partir de um conceito de gênero ou de relações sociais de gênero”.

Essas noções e relações de gênero são conformadas socialmente, segundo Cláudia: “É aquilo que eu atribuo ao longo da história como feminino e masculino. Claro que existem várias formas de ser homem, mulher, menino, menina, mas como nossa cultura cliva e enxerga o feminino?” Outro professor, assim como Cláudia Vianna, rechaça a definição biológica do sexo; Cláudio Belintane, que orientou a dissertação de Karyn, afirma: “Ela nada tem a ver com a definição psíquica”. Ele defende que “os conceitos [de masculino e feminino] são mais completos, fogem da dicotomia que é do imaginário social”. Em outras palavras: não há meninos e meninas, mas jeitos diferentes de se colocar diante destes papéis.

Essa visada psicanalítica enxerga que os processos de sexuação se realizam através do uso da linguagem pelo sujeito (pautada no conceito de gozo) – no caso, a criança em formação. Karyn conceitua: “A psicanálise, em especial a francesa, entende que o aparelho psíquico e o de linguagem formem-se como uma trança, uma rede de estruturas e sentidos, presente desde muito cedo na vida da criança, e até mesmo antes de nascer”. Nesse sentido, a professora-mulher interferiria fortemente nesta trança. Karyn partiu de estudos que apresentavam dados sobre a falta domínio sobre a leitura e a escrita por crianças já formadas nos quatro anos do ciclo. Desta análise, ela afirma: “Meninas têm escore mais alto em atividades de linguagem, meninos em ciências e matemática – conforme dados de avaliações importantes como o PISA ou o relatório Educação Para Todos da UNESCO. As meninas possuem uma vida escolar mais estável que os meninos: são mais dedicadas, menos encaminhadas às salas de reforço ou aos consultórios de especialistas”.

O estudo, contudo, realizou uma leitura sobre o chamado currículo tradicional e as relações de sucesso escolar das crianças com ele. Quem conseguiu apontar os efeitos dos conteúdos ocultos e avaliações informais foi Edna Telles, orientanda de Cláudia Vianna e autora de uma etnografia de 140 horas de observação em uma escola municipal da periferia de São Paulo. Considerando desde as brincadeiras de rua até os dispositivos disciplinares da professora e as respostas das crianças, Edna desvelou esta série preconceitos culturais. Ela conta: “Foi a partir da voz das crianças que descobri que a maioria dos meninos tinha uma carga de trabalho doméstico muito grande, inclusive cuidando de crianças menores, o que vai de encontro a discursos de gênero que acreditam que o trabalho doméstico é das meninas”. Segundo ela, contraria também a opinião da professora – que acreditava que eles eram “vagabundos” e que ficavam na rua o dia inteiro.

A disciplina na sala era determinada pelos pressupostos da professora sobre o que deveria ser próprio das meninas e da natureza dos meninos – não necessariamente pelo fato de ela ser mulher. Cláudia questiona: “Você tem trajetórias diferenciadas entre meninos e meninas? Nem sempre”. Edna responde rebatendo os dados oficiais tomados pela pesquisa de Karyn, que, apesar de negar a dicotomia entre masculino e feminino, apontam o enraizamento deste discurso e não seus ruídos. Uma das muitas situações registradas por Edna traz uma das pré-concepções da professora sobre o tipo de sucesso escolar das garotas: “Está vendo meninas! Por isso que vocês não aprendem matemática! Só sabem tagarelar! Assim, sairão daqui sem saber continha de mais!”.

A concordância aparece afinal sobre o principal tempo de interação e controle dos adultos sobre as crianças: o tempo escolar. Na entrevista, Edna explica que o gênero “é um elemento que sozinho não se explica. Seus significados são múltiplos e aparecem na intersecção com outras categorias como classe, etnia ou raça, idade, obtendo assim o que entendemos como diferentes ‘masculinidades’ e ‘feminilidades’”. Para Karyn Bulbarelli, há um déficit de materiais didáticos e lúdicos que respeitem o processo de subjetivação das crianças: “O que ocorre, infelizmente, é que não há muito espaço, no meio escolar, para que tais idéias sejam debatidas ou ao menos reconhecidas”. Cláudia Vianna finaliza ressaltando a importância política de professoras e professores: “Seria muito bom que essas diferenças entre os sexos não se transformassem em desigualdade. Claro que é difícil, claro que a gente precisa de políticas públicas de formação docente. A gente precisa de formação docente que nos ajude a refletir sobre essas diferenças – e como não perpetuá-las”.

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