São Paulo (AUN - USP) - Os livros da série “Harry Potter”, de J. K. Rowling, têm a mesma estrutura de muitas histórias infantis e clássicos da literatura, baseada na trajetória do herói. Por isso, seu sucesso não se resume a um jogo de marketing. Segundo a professora da USP Mayra Rodrigues Gomes, isso derruba muitos dos argumentos segundo os quais “Harry Potter” não deveria ser considerado literatura. Esta foi a posição defendida por ela em debate recentemente realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP).
Para Mayra, o sucesso de Harry Potter em culturas diferentes da inglesa, na qual o livro está ambientado, se deve principalmente à construção do herói: “Gostaríamos de ter alguém com o caráter de Harry na vida real”. Na série, o bruxo sabe que vai morrer, mas não teme o seu destino – esta é a semelhança entre Harry e personagens clássicas, como Antígona, apontada pela professora.
Ela ainda lembra que, nos relatos violentos, a figura do herói serve como um modelo de caráter que permite às pessoas se sentirem melhor. “Precisamos viver essa crença numa magia que nos redime”.
No debate, a professora da PUC Sílvia Borelli apresentou sua tese de livre-docência, que teve Harry Potter como tema. Ela refuta as críticas segundo as quais os livros da série não teriam qualidade literária e seriam lidos por “adultos infantilizados”.
Para Sílvia, Harry é um produto híbrido, cujos elementos de magia e aventura e referências a outras obras literárias permitiram sua aceitação por vários grupos de leitores. Com relação ao público-alvo do livro, ela identifica uma tendência de os livros se tornarem cada vez menos infantis no decorrer da série.
Sílvia defende que a migração da série do público infantil para o adulto não significa que os adultos estão regredindo à infância. A professora identifica nessa mudança de público um reflexo de uma sociedade na qual a juvenilidade não está restrita aos jovens.
Ela também estudou as adaptações de Harry Potter para outros meios, como os videogames e o cinema, e observa que, embora a matriz literária seja a mesma, cada suporte tem uma forma de narrativa específica.
O debate também contou com a presença da professora da ECA-USP Rosana de Lima Soares, especializada na área de jornalismo e linguagem. Rosana se aprofundou nas transposições dos livros da série para o cinema.
Segundo ela, a adaptação de Harry Potter para as telas envolve uma tradução, pois é necessário agregar ao filme alguns valores que o livro carrega. Os livros já levaram seu sucesso para o cinema, e os filmes acabaram se tornando traduções do livro para quem não leu. “O filme tem que ser fiel ao que a autora pensou, mas há um distanciamento”.
Rosana discorda de que a escrita dos livros tenha se tornado cada vez mais visual para facilitar a adaptação ao cinema. Cita como exemplo o volume mais recente da série, “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, que tem capítulos bastante complexos. A professora acredita que os elementos visuais presentes na escrita de J. K. Rowling são próximos do cinema e da televisão por haver uma intertextualidade do livro com esses meios.