ISSN 2359-5191

17/12/2007 - Ano: 40 - Edição Nº: 99 - Educação - Faculdade de Educação
Raiz do analfabetismo escolar não está no método de ensino

São Paulo (AUN - USP) - O início do ano letivo de 2008 já está marcado para realização da primeira Provinha Brasil, que avaliará o grau de alfabetização dos estudantes de seis a oito anos de idade das redes públicas municipais e do Distrito Federal. A intenção é corrigir o problema, com aulas de reforço, mas a aplicação da prova coloca uma questão no ar: será que uma prova pode apontar os caminhos para transformar o aprendizado da linguagem escrita? É uma dissertação de mestrado defendida na Feusp que investiga as relações de estudantes de duas escolas públicas da periferia paulistana com a cultura escrita. O trabalho revela: existe um mito acerca dos métodos de alfabetização e letramento; má qualidade de ensino relacionada à localização geográfica, e, especialmente, choques sócio-culturais criam mais traumas de aprendizagem do que se pode imaginar.

Para os pensadores da sociolingüística ainda é difícil desconstruir os preconceitos de quem pensa que falar “us ômi” (e não “os homens”) é errado e execrável; também quando o assunto é a escrita o problema se coloca. “O nascimento do estranho na cidade de São Paulo: analfabetismo e estigma”, de Luzia Estevão Pereira, traz a campo uma etnografia (feita de 2001 a 2005) que demonstra como estudantes dos primeiros anos do ensino fundamental se sujeitam e se assujeitam no processo de alfabetização. Ela aponta uma reprodução do analfabetismo nas classes menos favorecidas que se opera também pelo preconceito cultural.

Para Luzia, vivemos em uma sociedade grafológica, que tem seus paradigmas centrados em um certo padrão de escrita – padrão que normalmente é tido como superior. No texto, transparece o embate entre o dialeto do migrante (nordestino, por exemplo), uma variável cultural no processo de alfabetização, e o dialeto “tradicionalizado” como língua oficial. A incongruência entre os desenhos da oralidade típica dos alunos e a ordem da linguagem escrita erudita deixa clara a inaptidão das práticas pedagógicas em considerar essas variáveis.

Luzia enxerga a apropriação da escrita como um instrumento de poder, e exercer esse poder, nos termos do que a cultura escrita instituída entende como melhor ou correto, permite que os sujeitos interfiram de forma diferente na sociedade. No caso estudado, essa possibilidade de interferência passa quase completamente ao largo dos educandos. Se existe um fenômeno chamado “analfabetismo escolar” ele também é indicação dessa desigualdade sócio-cultural e tem sempre impacto sobre o desenvolvimento escolar e pessoal do aluno.

O trabalho não desconsidera o papel do método para o ensino (polêmica que normalmente toma o tempo dos estudiosos da alfabetização), mas ajuda a pensar formas de inclusão das diferenças culturais, que envolvem tanto a escola em si quanto os sujeitos, no tempo e no espaço desse aprendizado. Trata-se de um texto contra a homogeneidade na avaliação dos fenômenos escolares.

Leia também...
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br