ISSN 2359-5191

10/04/2008 - Ano: 41 - Edição Nº: 15 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Escritor africano compara cultura nos países de colonização portuguesa

São Paulo (AUN - USP) - No Brasil para o relançamento da obra de Jorge Amado, o escritor africano Mia Couto veio à USP graças à Companhia das Letras e aos esforços do Grupo de Estudos de Língua Africana do Departamento de Letras da FFLCH. Recentemente, agradeceu e homenageou os professores que se dedicam ao estudo da literatura portuguesa, elemento comum que liga os diferentes países através de um lado lúdico. Ele se diz em dívida com os autores brasileiros e agradece a influência, em especial, de Jorge Amado.

Mia Couto fala da proximidade do Brasil com Moçambique, seu país natal, e aponta a existência de um sentido de família entre os países africanos de colonização portuguesa e o Brasil. “Nós nos redescobrimos na África e vice-versa, construindo mutuamente nossas identidades e culturas, comuns em muitos pontos.”

Continua: “Os modos de escrever comuns, os mesmos gestos, o mesmo riso, a mesma arte de fazer anedotas: a cultura do Brasil em relação ao corpo – os toques e abraços – vem da África; apresentamos as mesmas habilidades de enfrentar a vida sem nos tornarmos amargos, apesar das dificuldades encontradas, tanto aqui quanto lá. A vinda dos africanos para cá mudou nossa alma e mesclou-se ao que se tornou o jeito de ser brasileiro: o gingado, a alegria, a disposição para a vida.”

Tendo enfrentado dificuldades para “vencer a língua”, Mia Couto conseguiu recriá-la, moldá-la segundo seus interesses literários – o desafio de todos os escritores – e tornou-se um dos maiores escritores de língua portuguesa da atualidade. Indagado sobre os motivos que justificam suas desconstruções da língua, ele fala da estranheza que o idioma português causa em seu país: um som estrangeiro que soa artificial imposto a uma terra com diversos dialetos.

O escritor fala que conheceu a obra de Guimarães Rosa através de Luandino Vieira, sua grande inspiração para criar palavras e construções frasais: ele se sente desafiado a manipular a língua e inventar seu próprio mundo literário. A admiração por Rosa veio da habilidade que este tem em criar o Sertão com sua linguagem, construindo o mundo do qual fala em suas obras. Mia Couto mistura palavras de vários dialetos com o português e faz modificações na estrutura das frases, promovendo inovações estéticas.

A arte brasileira o emociona: através dela reencontra sua própria casa; o Brasil e os países lusófonos da África tem essa dificuldade em encontrar sua casa, sua própria identidade. Aqui ele conheceu a filosofia do nada: essa habilidade de ajuda mútua na não atividade; o Brasil, segundo o escritor, é um país em que as pessoas têm essa capacidade de conviver e se ajudar, mesmo enquanto não fazem nada.

Como um escritor, Mia Couto se sente só: seu oficio é solitário em qualquer parte do mundo, para qualquer escritor. Não há incentivo à literatura, em Moçambique – um dos dez países mais pobres do mundo - apenas três ou quatro cidades têm livrarias e os livros chegam principalmente através das Universidades.

Os preconceitos nessa área precisam ser dissolvidos, bem como as barreiras que os países de colonização portuguesa costumam se impor por não terem uma língua que possam chamar de sua. A integração entre Brasil e parte da África, por exemplo, poderia se dar de modo bem melhor, não apenas através da língua e do passado colonial.

O literato moçambicano gosta de seu país e entristece-se com o fato de que ele nunca foi nem socialista, nem capitalista: o passado colonial, ao mesmo tempo, gerou uma série de chagas e mazelas sociais no país e parece não ter deixado marcas na história. A literatura é uma forma de prevenir o esquecimento e cicatrizar antigas feridas: a História muitas vezes atua como uma borracha sobre o passado, esquecendo-o, permitindo com que se glorifiquem abusos e crueldades.

Como uma baleia, Mia Couto só se sente verdadeiramente bem em sua terra, motivo que o levou a lutar na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e a compor o hino nacional, após a conquista da independência. Apesar de diversos convites feitos por universidades estrangeiras, ele nunca sequer cogitou mudar-se e pretende continuar lutando pela afirmação da identidade de seu país.

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