São Paulo (AUN - USP) - Se hoje uma parte da humanidade pode aproveitar grandes avanços sociais e tecnológicos, como a liberdade de expressão ou a revolução digital, costumamos agradecer à civilização ocidental, de origens européias, e suas realizações. Mas existem teorias que questionam essa liderança dos ocidentais no progresso da humanidade, afirmando muitas vezes que ele só foi possível pelas descobertas feitas na Ásia. Para o historiador Peter Robert Demant, do Laboratório de Estudos Asiáticos da USP, essas teorias são úteis na medida em que desconstroem o mito de que a civilização européia caminhou sozinha em seus avanços. Em palestra no departamento de História da USP, ele apresentou as diferentes correntes de especialistas que discutem a influência das civilizações asiáticas na sociedade ocidental.
A primeira visão a se estabelecer nos meios acadêmicos foi a do eurocentrismo, que minimiza a influência de outras culturas no desenvolvimento da Europa. Para eles, os europeus sempre estiveram à frente no desenvolvimento da humanidade, graças a uma inventividade natural, entre outras características únicas e superiores. Tendo influenciado o pensamento ocidental até então, essa visão foi contestada em meados do séc. XX por uma corrente que poderia ser chamada de asiocêntrica.
Esses últimos estudiosos valorizam um extenso intercâmbio entre civilizações, ocorrido desde muito antes das grandes navegações do Renascimento. Através dele, os europeus entraram em contato com uma série de descobertas orientais, principalmente chinesas, que depois de apropriadas revolucionariam sua sociedade. Um dos pontos centrais dessa tese é o período da dinastia Sung (960-1275) na China, quando surgiram inventos como a bússola, a pólvora, e existia um sistema de produção que só foi superado com a revolução industrial. Os asiocêntricos acreditam em longos ciclos econômicos, e durante um período de declínio asiático os europeus se aproveitaram para “roubar” riquezas das outras partes do mundo, usando recursos asiáticos. Desse modo, a hegemonia européia só foi estabelecida tardiamente, no séc. XIX, e de modo aleatório, e ainda devido ao extermínio dos ameríndios.
Já por volta de 1978 surgiu outra corrente, liderada pelo intelectual palestino Edward Said, para a qual o Oriente é apenas uma invenção dos europeus. Aplicar a culturas diversas um único rótulo, oposto a si próprio, seria uma forma de impor uma dominação sobre elas. O Islã, por exemplo, foi assim uma criação usada para unir a cristandade na idade média, criando um inimigo único. Segundo esses críticos, o rótulo de “oriental” estaria impregnado de preconceitos, como o estigma de preguiçosos, ou irracionais.
Na visão de Peter, existe um narcisismo natural em cada civilização, e se o Ocidente cria uma imagem do Oriente, o oposto também é verdadeiro. Ele não acredita em uma só Ásia, algo que se possa definir como uma civilização oriental, já que culturas como a muçulmana, a hindu ou a chinesa, são tão diferentes entre si como são da ocidental. O eurocentrismo, hoje, seria nutrido por um complexo resultante de anos de dominação. Para ele também existem barreiras que impedem pesquisadores ocidentais de penetrar mais profundamente no Oriente, como a própria língua.
Peter acredita que é importante reconhecer e trabalhar essas origens asiáticas de nossa civilização, os instrumentos asiáticos que cooperaram na evolução de nossa sociedade. Ele também comenta algumas características da civilização ocidental, que não poderiam ser esquecidas quando se estuda o motivo pelo qual ela se sobressaiu durante um longo período. O conceito linear de tempo é uma dessas características, pois explica essa própria idéia de avanço. As bases de instituições democráticas também nasceram no ocidente, assim como a separação entre religião e estado, o que depois foi exportado para outras partes do mundo. Desse modo, Peter conclui que foi a civilização ocidental a primeira a se emancipar de seu particularismo.