São Paulo (AUN - USP) - A frase do título foi dita pela professora Sônia Kruppa na ocasião de uma palestra na Faculdade de Educação da USP (FEUSP). Ela se referia aos cursos especiais para indígenas e sem-terras, respectivamente. O curso de Pedagogia para um grupo de 60 indígenas aconteceu, durou três anos e acabou há menos de um mês. Já o Pedagogia da Terra, curso especial para integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ainda não foi aprovado e tenta-se implantá-lo desde 2004.
O Pedagogia da Terra surgiu a partir de uma demanda específica do próprio MST. Para além dos cursos de formação política que a Escola Nacional Florestan Fernandes (escola de formação do movimento) possa ministrar existe também uma questão mais específica da educação de seus militantes: eles já possuem uma prática e uma práxis, mas necessitam avançar para um patamar teórico mais complexo, e era isso que eles reivindicavam com o projeto. Seriam formados professores ou pedagogos da terra.
O MST tem colocado sistematicamente militantes no ensino superior, e até na pós-graduação, mas são exceções. E, em geral, fazem para atender suas necessidades específicas de atuação, voltados, geralmente, para a área em que atuam dentro do movimento.
O projeto do curso apoiou-se no Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão do Ministério de Desenvolvimento Agrário. O programa consiste no financiamento para a manutenção de cursos, mas só desencadeia processos a partir da reivindicação por parte dos movimentos populares, não toma nenhuma iniciativa sozinho.
O MST então criou o projeto e apresentou à Faculdade de Educação da USP no final de 2004. O projeto foi considerado pioneiro, acrescenta Lisete Arelaro, professora da FEUSP, porque eles “já chegaram aqui com o projeto pronto, e geralmente é a universidade que monta o currículo todo”.
“Nós começamos uma discussão longa, de um ano, discutindo currículo, o que era necessário etc, que foi muito interessante. Dos 105 professores que nós temos na Faculdade de Educação, 62 se dispuseram a dar aulas em regime de voluntariado já que o Pronera entra com um ‘dinheirico’ ridículo”, diz a professora. O Pronera liberaria R$720 mil para o Pedagogia da Terra em quatro anos, sendo que o curso dos indígenas custou R$7,35 milhões em três.
Entre os professores de outras unidades da USP que colaboraram na elaboração da proposta estão Marilena Chauí e Dalmo Dallari, autor de parecer sobre a legalidade da iniciativa. A carga horária dos alunos se basearia na “pedagogia da alternância”: eles estudariam em tempo integral nos meses de dezembro, janeiro e julho, o que totalizaria o número de horas presenciais dos quatro anos, como na maioria dos cursos de graduação da Universidade. Segundo o projeto, os alunos permaneceriam na FEUSP nos primeiro, segundo e terceiro anos e a outra parte do curso aconteceria na Escola Nacional Florestan Fernandes.
“Seria interessante ir para lá já que a maioria dos professores da USP nunca esteve em um assentamento ou acampamento do MST. Eles participariam da divisão solidária dos serviços e seria possível professores e alunos comerem juntos, dormirem juntos e viverem juntos”, acrescenta Lisete. “Já na USP, a presença deles seria muito importante para incomodar um pouco mais e para dar visibilidade, uma vez que a universidade desconhece os movimentos sociais”.
A proposta do curso foi aprovada por unanimidade na Faculdade de Educação, “até porque dois dos que eram contra se ausentaram no dia para não votarem contra”, explica a professora. Depois, foi encaminhada para o Colegiado Central de Graduação da USP, onde começaram a surgir polêmicas. A professora conta que o órgão montou 10 questões em relação ao projeto do curso para serem respondidas pelo grupo que o “defendia” e que 80% delas eram “preconceituosas, elitistas e absurdas”.
A professora diz ainda que o grupo de professores da FEUSP respondeu às 10 questões propostas e volta com o projeto repleto de reformulações para reapresentá-lo em agosto ou setembro, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as cotas para negros nas universidades.
O curso dos indígenas que aconteceu na Faculdade de Educação acabou há menos de um mês. A professora Lisete diz que ele só aconteceu porque era interesse do Governo Federal – então em época de eleições – e assim, as pró-reitorias “trataram de acelerar o processo”.
“Os índios podem e só puderam porque foram praticamente clandestinos aqui. Muitos alunos da Faculdade de Educação nem souberam da existência de tal curso. Se o MST viesse eu os colocaria nas salas 111 e 115”, finaliza a professora Lisete, se referindo às salas de aula logo na entrada do prédio da Faculdade de Educação.