São Paulo (AUN - USP) - Com o crescimento do número de imigrantes latino-americanos vivendo nos EUA, é cada vez mais comum ouvir em suas ruas uma estranha língua sendo falada, o Spanglish, a mistura do o inglês com o espanhol. Enquanto alguns lingüistas acreditam que ela é apenas algo que se deve esquecer o mais rápido possível, outros o acham fascinante. No segundo grupo está a pesquisadora Joke Maaten Mondada, da Universidade de New Orleans, na Luisiana, EUA. Em conferência no Departamento de Letras da USP, ela procurou traçar um panorama do Spanglish hoje no país, e a apresentar algumas das observações de sua pesquisa sobre o assunto.
A presença de falantes de espanhol nos EUA é muito variada, e remonta ao início da formação do país. Muitos territórios incorporados pelo país possuíam habitantes que usavam o espanhol, como é o caso das conquistas feitas na guerra com o México, entre 1846 e 48. Os descendentes de mexicanos que se agregaram ao país nessa época se diferenciam dos demais, se autodenominando terranos, ao contrário dos novos imigrantes, os xicanos. Estes, por sinal, são o maior grupo de latino-americanos vivendo nos EUA, seguidos pelos porto-riquenhos e pelos cubanos.
Todos esses imigrantes se viram na obrigação de aprender o inglês ao entrar no país, tarefa muito complicada para alguns. Por outro lado, os americanos com os quais eles convivem dificilmente se interessam em aprender o espanhol. Assim, de forma voluntária — substituindo termos que eles desconhecem — ou involuntária, os dois lados acabam falando o Spanglish. Se nos anos 70 o governo americano foi mais rígido ao tentar forçar o uso do inglês, atualmente as novas gerações de imigrantes já são mais orgulhosas de suas origens, falando o espanhol e, eventualmente, o misturando ao inglês.
A definição do que seria o Spanglish ainda não é consenso entre os especialistas. Alguns o comparam com os pdgins, ou línguas de contato, um modo que dois povos de línguas diferentes usam para se comunicar rudimentarmente. Os pidgins eventualmente evoluem para as línguas crioulas, quando as novas gerações passam a usá-lo no dia-a-dia, porém, costumam permanecer com uma gramática incompleta. Para Mondada, o Spanglish é diferente desses casos, pois se caracteriza por duas gramáticas completas, que apenas mesclam palavras, como uma língua híbrida.
Não existem regras para o Spanglish, e a mistura entre as duas línguas pode ocorrer de maneiras diferentes. Existem casos em que um mesmo diálogo se alterna perguntas em uma língua com respostas em outra, ou, dentro de uma mesma oração, uma pequena construção em cada língua. Porém, o mais comum é que o falante pegue emprestadas algumas palavras da outra língua, e esse empréstimo também pode ocorrer de duas formas: com a palavra grafada corretamente na língua de origem, ou com ela sendo “transformada” pelo outro idioma. “Parquear”, um verbo muito usado por alguns imigrantes latinos é um exemplo deste último caso, pois deriva da palavra “park”, que significa estacionamento em inglês.
O campo da informática é terreno fértil para a criação das misturas do Spanglish, ao se apropriar de termos em inglês modificados, do mesmo modo como ocorre o aportuguesamento de palavras inglesas. Assim, “to delete”, que significa apagar vira “deletear” em Spanglish, ou “to upload” acaba em “uplodear”. Com mais de 45 milhões de imigrantes latinos, ou descendentes destes, vivendo hoje nos EUA, já existem até programas de televisão no país que utilizam a língua híbrida. Diante do quadro, fica a pergunta colocada por Mondada: será o Spanglish a 3º língua dos EUA?