ISSN 2359-5191

17/07/2008 - Ano: 41 - Edição Nº: 73 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Pesquisadora resgata história de repentista que virou mito

São Paulo (AUN - USP) - Há mais de um século que a história de Inácio da Catingueira é contada em versos pelo sertão nordestino, seja na voz dos repentistas ou nas páginas dos cordéis. Negro, escravo e analfabeto, esse cantador virou um herói no sertão da Paraíba, e sua trajetória ajuda a desvendar um pouco da história do nordeste brasileiro. Em palestra na Faculdade da Filosofia, Letras, e Ciências Humanas da USP, a historiadora Linda Lewin, da Universidade da Califórnia, apresentou sua pesquisa sobre Inácio da Catingueira, e descreveu seu método para extrair da tradição oral a história real de um mito popular.

Desde o início de sua carreira, Linda já se interessava pela história do nordeste brasileiro, e em especial pelo Cangaço. Durante uma pesquisa sobre o cangaceiro Antônio Silvino, no cartório da cidade paraibana de Teixeira, ela encontrou documentos sobre Francisco Romano da Teixeira. Este cantador era tema de diversos cordéis, retratando principalmente sua histórica peleja com Inácio da Catingueira, na cidade de Patos. O encontro dos dois, que teria acontecido em julho de 1874, costuma ser descrito como o maior de todos os duelos de repentistas.

As informações que Linda levantou a respeito da peleja foram baseadas em relatos de testemunhas, que foram passados por meio de outros cantadores, às vezes ganhando também a literatura de cordel. Naquela época, Romano era o cantador mais famoso do sertão paraibano, e teria relutado em duelar com um escravo analfabeto. Inácio da Catingueira ainda usava um instrumento considerado menos nobre, o pandeiro. Em uma peleja, o repentista pode sair vitorioso de dois modos, levando seu adversário a errar, ou colocando uma questão que ele não consiga responder. Romano, que tinha acesso à literatura e conhecia até mesmo a mitologia grega, levava grande vantagem ao lançar as perguntas.

As diversas versões da história variam sobre quem teria vencido o duelo, mas Linda acredita que tenha sido Inácio, apesar de suas desvantagens. Na verdade uma delas teria sido decisiva para provocar o erro de Romano. Pelos códigos sociais da época, um escravo não poderia sentar para pelejar com um homem livre, de modo que Inácio ficou o tempo todo do duelo — que chega a durar horas — em pé, de frente para o adversário. Assim, seu pandeiro ficava próximo ao rosto do Romano, que se irritou a ponto de perder a concentração e errar seus versos.

Apesar de algumas versões relatarem que Inácio teria ganhado sua alforria ao derrotar Romano, Linda apurou que ele morreu ainda como escravo. Em sua pesquisa, ela conseguiu localizar descendentes de seus donos e, a partir daí, mais sobre a história do próprio cantador. Ele acabou sendo herdado por Fidié Rodrigues de Souza, que já era proprietário de sua irmã, Quitéria. Linda acredita que Fidié fosse o pai de Quitéria, ou da filha desta, Sebastiana. Talvez mesmo Inácio fosse filho dele, já que certamente tinha um pai branco. Essa relação entre senhores e escravas era comum na época, e diz muito sobre a elite do Brasil escravocrata.

Como Inácio não teve filhos, a historiadora foi atrás da linhagem de sua irmã Quitéria, e acabou descobrindo as histórias de Sebastiana, a sobrinha de Inácio. Ela morreu por volta de 1963, com quase 100 anos, e foi testemunha da famosa peleja do tio, assim como da vida dele. As histórias foram preservadas por sua família, e ajudaram muito o trabalho de Linda. Uma das peculiaridades do estudo é que grande parte dos fatos não pode ser provada por documentos, como a própria existência do duelo. Mas justamente por isso, ele é importante para se descobrir mais sobre a vida das camadas marginalizadas da sociedade nordestina.

Mesmo sem documentos que provem seus feitos, hoje Inácio é o orgulho do pequeno e pobre município de Catingueira, na Paraíba. Sua estátua enfeita a principal praça da cidade, assim como sua história inspira os repentistas de todo o Nordeste.

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