São Paulo (AUN - USP) - “O governo brasileiro não assentou nenhuma família membro do MST desde 1998”, foi o que afirmou Marcelo Buzetto, da Coordenação do MST, na palestra “Os desafios do povo brasileiro na construção de um projeto popular”, durante o Seminário “A História da luta pela terra”, realizado no Departamento de História e Geografia da FFLCH-USP, nos dias 4 e 5 de maio.
Marcelo disse que o governo cortou a liberação para as famílias das linhas de crédito (para alimentação – ou cesta básica, moradia – construção e produção), além de ter diminuído o orçamento do Incra a cada ano. Dados apresentados revelaram que esse orçamento não foi propriamente gasto. Por exemplo: em 1997, o ano das marchas, inclusive da marcha dos sem-terra à Brasília, o orçamento do Incra ficou em 2,6 bilhões de reais, dos quais apenas 2 bilhões foram gastos; em 2001, o orçamento já caiu para 1,3 bilhões, dos quais só se gastaram 996 milhões.
Em 18 anos de luta, foram assentadas entre 400 e 450 mil famílias. O governo ainda não tem uma política de assentamentos. Muitas famílias tiveram de passar pelo menos dois anos debaixo de lonas, muitos militantes foram assassinados em fazendas até que as autoridades tivessem-se mexido. Desde 91, 920 mil famílias de pequenos agricultores foram expulsas do campo. De 1995 a 2001, o latifúndio cresceu 60 milhões de hectares, apesar de o governo afirmar que, no mesmo período, foram desapropriados 20 milhões ha para assentamentos. O Incra de São Paulo, existente a 30 anos, assentou apenas a quantia ínfima de 1.100 famílias.
O outro debatedor da palestra citada foi Ricardo Gebrim, Presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo e membro do Movimento Consulta Popular. Ele discutiu a questão da Alca, alertando para o extremo perigo de o Brasil tornar-se uma colônia americana se esse projeto for aprovado. Outrossim, forçando a Argentina a quebrar, os EUA estariam forçando a entrada brasileira na Alca. A América Latina é essencialmente estratégica para os americanos, e não existe Alca sem Brasil. Muitos comitês estão sendo montados com o objetivo de pautar as pessoas sobre a Alca. Este ano vai ocorrer um plebiscito continental a respeito do tema. No Brasil, esse plebiscito está previsto para setembro e esperam-se, no mínimo, 10 milhões de votantes. A campanha contra a Alca vai até 2005. (Para quem quiser montar um comitê, basta contactar o comitê central de São Paulo, Comitê Paulista contra Alca, no telefone 11-3105-2516, e falar com Cristiane.)
Na América Latina, as pressões externas são fortes, principalmente americanas, o que pode ser comprovado através dos eventos ocorridos na Venezuela, no Equador e na Argentina. Nestes dois últimos, sentiu-se realmente a falta da atuação de uma esquerda forte, o que prejudicou/ tem prejudicado a realização de mudanças. Quanto à esquerda brasileira, ambos os palestrantes acreditam que ela se encontra dividida, fragilizada, na qual têm predominado os interesses individualistas de seus políticos. Além disso, é preocupante a esquerda estar abaixo das necessidades do povo e das necessidades da luta política que se faz imprescindível neste momento de crise. Lula é visto com incógnitas. Marcelo não sabe se com ele a situação do povo humilde, urbano e rural, vai melhorar, mas tem certeza de que vai piorar muito se Ciro ou Serra forem eleitos. E complementa: “O que vai fazer reforma não é Lula, mas a luta de massas, a auto-organização dos trabalhadores”. Ele afirma que a grande luta do MST é por um projeto popular para o Brasil de transformação social, no qual está inserida a luta pela reforma agrária. “Desmontar o latifúndio é desmontar a estrutura política e econômica construída até hoje”, finaliza.
Essa palestra encerrou o seminário dando a percepção de uma contínua piora das condições de vida do povo brasileiro desde o final do século passado, sem boas expectativas para os próximos anos. Mas Ricardo assim encerrou seu discurso: “Nenhum povo da História se deixou desconstruir sem luta!”.