São Paulo (AUN - USP) -A aluna Heloísa Garcia Claro, do sétimo semestre da Escola de Enfermagem (EE-USP), começou a fazer pesquisas relacionadas ao uso de drogas durante o período da amamentação desde o primeiro ano da graduação. Uma de suas mais recentes pesquisas diz respeito ao uso específico de psicotrópicos, ditos “tarja-preta”, que agem diretamente no sistema nervoso central ao tratar sintomas como depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar. A monografia que dará origem ao seu trabalho de conclusão de curso teve reconhecimento ao ganhar o VII concurso de monografia sobre drogas para universitários do SENAD/CIEE, em um evento com a participação do presidente da república, seu vice e outras figuras públicas, por ocasião da X Semana Nacional Antidrogas.
O trabalho bibliográfico analisou publicações do Brasil e do mundo sobre o uso e abuso de psicofármacos durante a lactação e a presença de informações inconsistentes nas bulas de diversos medicamentos. Das bulas analisadas, 31,5% apresentam a informação de que os efeitos do psicofármaco não estão bem estabelecidos na amamentação, devendo a mesma ser interrompida. Esse foi o fator mais preocupante encontrado pela aluna. Segundo ela, as mães também lêem as bulas e quando não consultam um profissional podem escolher a alternativa mais prejudicial para o bebê. O leite é uma das maneiras mais eficientes de resistir à mortalidade infantil, de dar à criança tudo que ela precisa imuno e psicologicamente. Outros 31,5% das bulas analisadas apresentam apenas a informação de que não estão bem esclarecidos os efeitos do medicamento devendo-se procurar um médico caso a mulher esteja amamentando. Os 37% restantes, possuem informações completas sobre o uso do psicofármaco no período da lactação.
Não caberia ao vendedor do medicamento, à empresa farmacêutica, dar uma palavra final. O que as empresas deveriam fazer, defende Heloísa, é dar informações claras sobre os efeitos do remédio na criança, quantificando os níveis de substâncias extras que o leite passa a ter, para que o médico e a mãe façam um balanço de risco-benefício, pois muitas vezes é melhor a criança receber o leite com uma parte do fármaco do que não recebê-lo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estabelece cinco níveis de periculosidade de substâncias durante a fase de amamentação - consideradas desde "sem riscos" até "incompatíveis com a lactação" -, e a princípio não seria possível algum fármaco classificado em mais de um nível. Porém, os resultados de classificação única foram raros, e a causa imediata dessa situação é a falta de critérios da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), acredita a futura enfermeira. "A ANVISA determina o que terá na bula ou não, e como não há regras claras relacionadas à lactação, cada empresa fica razoavelmente livre. E o motivo, acredito, deve-se ao processo dispendioso de realizar muitos testes. A questão não é por problemas éticos, mas por questão de interesse e investimento".
A resposta para essa questão não é fácil para ninguém. Um professor da Farmácia-USP, que não quis se identificar, disse não ter certeza dos motivos que não levariam uma indústria farmacêutica a realizar esse tipo de teste. Para um remédio ser lançado no mercado, são necessárias décadas de pesquisa, e todos os tipos de teste são realizados nesse período pré-lançamento. Além disso, fazer experimentos relacionados ao leite e a criança não são tão dispendiosos. Isso leva o professor a crer que a maior questão envolvida é ética, pois não é permitido utilizar os bebês para esse fim. Segundo ele, todo remédio lançado no país tem de passar por um crivo internacional de vigilância sanitária e saúde, seja nos EUA, Europa ou Japão.
Para Heloísa, a área de estudos sobre drogas e lactação não é avançada como merece a questão, e a deficiência não se limita apenas ao Brasil, como também a todo o mundo. Quando questionada sobre a continuação do assunto em uma pós-graduação, pouco otimista a aluna opina sobre o difícil trabalho de pesquisa na área de enfermagem. Os motivos seriam os resultados qualitativos que essa área gera, diferentemente da medicina e da farmácia. "Saúde mental, por exemplo, é uma pesquisa qualitativa. É mais fácil você vender números, comprovar que um remédio novo tem 89% de eficácia para determinada doença do que defender que o processo afeto-imuno-psicológico da relação mãe e filho tem que ser preservada". Todo o trabalho de Heloísa reflete a preocupação que a sua área enfrenta. As pesquisas de enfermagem são essenciais para que possam existir bons serviços de saúde.