São Paulo (AUN - USP) - A produção cinematográfica de um país influencia o pensamento social daquele local e muitas vezes acaba criando ou reforçando uma identidade compartilhada pelo povo. Fernando Meirelles, cineasta brasileiro, acha importante que o cinema brasileiro ajude na construção da identidade do brasileiro como houve com o cinema norte-americano, e nesse sentido acredita que a função social do cinema é essencial.
O diretor, que recentemente filmou a obra Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago, participou de um debate na IX Semana do Audiovisual, realizada na Escola de Comunicações e Artes da USP. Ele abriu a conversa citando os filmes western (velho oeste), que inventaram o norte-americano de hoje, criando um mito de um herói solitário que sai vitorioso das dificuldades e consolida-se como dominador, o caubói. Outro país que se utilizou do cinema para construir a imagem de seu povo foi o Japão, com os filmes do premiado diretor Akira Kurosawa, que mostrava a perfeição disciplinar do japonês através da figura dos samurais.
Para Meirelles, o brasileiro é mais acostumado com a televisão, e não com o cinema. Assim, durante o período do regime militar, uma rede de TV foi incentivada a crescer e se tornar a rede nacional, para propagar a mensagem dos militares, unificar um país tão grande como o Brasil, e também impedir a construção de um pensamento crítico por parte da sociedade. O cineasta fala, citando a Rede Globo, que é por isso que hoje a programação das redes em geral é ruim, uma herança ainda daquela época. Mesmo assim, ele não acha que a identidade do brasileiro esteja retratada nos canais de televisão. Estes costumam irradiar a imagem de uma classe média, não configurando a maioria da população.
É por isso que Fernando Meirelles acha que o Brasil precisa de seu cinema, apesar da contestação de um dos presentes ao debate. Além disso, ele acha que, como todas as outras expressões culturais como a música e a cultura, o cinema também é válido. Segundo ele, o fato de hoje o brasileiro ir menos ao cinema está ligado a um pensamento do mercado, já que em todo o mundo há uma presença menor de público nas sessões. “Hoje o cinema brasileiro é muito plural, tem histórias para todos os gostos”, afirma o diretor, comparando o cenário brasileiro com Hollywood.
Meirelles acha que há um limite entre retratar a realidade e tornar o filme um veículo de panfletagem política. Portanto, para ele, o brasileiro comum não pode apenas aparecer na ficção, ele tem que se ver – o acesso da população ao cinema deve ser facilitado. O cineasta fala dos incentivos governamentais para as filmagens, e se pergunta como se daria esse retorno. Ele acha que apenas 15% da população comparecendo às salas é muito pouco, portanto talvez a Lei do Audiovisual pudesse ser repensada para permitir essa inclusão cinematográfica.
Porém, Meirelles já vem propiciando a integração de comunidades carentes em seus filmes há tempos. Em Cidade de Deus, que foi às telas em 2002, a maioria dos atores utilizados eram provenientes de regiões marginalizadas e, portanto, já se identificavam com as cenas mostradas no longa-metragem. O diretor afirma que é muito mais fácil conseguir dar uma noção de posição diante das câmeras a alguém que já conhece aquela realidade do que ensinar a um ator como é viver excluído da sociedade e fazê-lo passar esse sentimento para o público.