São Paulo (AUN - USP) - A madrugada de 2 de outubro de 2001, além de desalojar diversos professores e destruir equipamentos, quase acabou com um projeto tido como referência no estudo da cultura popular brasileira. Todo o acervo do Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN), que incluía gravações raras, roteiros originais e revistas de época, foi consumido pelo incêndio do prédio central da Escola de Comunicações e Artes da USP. Após quase oito meses literalmente erguendo-se das cinzas, o núcleo realizou no último dia 15 de maio uma mesa-redonda comemorativa em parceria com a Rede Globo de Televisão, na qual reiniciou oficialmente suas atividades.
Do encontro, batizado “Telenovela e Universidade”, participaram as pesquisadoras da ECA/USP Maria de Lourdes Motter, Renata Palotini e Maria Immacolata Vassallo de Lopes, vinculadas ao NPTN, e os autores de telenovela Lauro César Muniz, Maria Adelaide Amaral e Silvio de Abreu. Durante mais de três horas, os debatedores versaram sobre a relevância da telenovela no caráter nacional, suas conquistas e dificuldades – sintetizadas por Silvio na citação de Gilberto Braga: “novela só é possível porque existe”.
Outro tema recorrente foi o preconceito que a telenovela enfrenta nos meios acadêmicos brasileiros, sendo muitas vezes considerada uma forma menor de ficção. A resposta das pesquisadoras foi unânime: além da inegável influência sobre a cultura popular, as produções nacionais têm uma qualidade autoral sem paralelo, o que lhes valeu fama internacional.
Também foi comemorada a doação de cinco televisores e cinco vídeos pela Globo, com os quais o núcleo vai poder iniciar seus novos projetos de pesquisa. “Sabemos que é a universidade que deveria suprir as necessidades dos núcleos, mas isso não é possível”, diz a professora Solange Martins Couceiro de Lima, coordenadora geral do NPTN. “E a parceria não influi de modo algum nos resultados da pesquisa. Eles entram com as imagens e nós com o aparato teórico.” A parceria, aliás, existe desde 95, quando a então diretora do núcleo Ana Maria Fadul fez os primeiros contatos com a emissora e conseguiu que esta abrisse seu Centro de Documentação para pesquisas. “Acredito que nessa época, e até mesmo durante os anos seguintes, os próprios autores de novelas não tinham noção de que eram estudados em dissertações e teses pelo mundo afora”, diz Solange.
Atualmente, o NPTN está tocando o projeto “Nações e Narrativas”, no qual vai gravar toda a produção ficcional seriada recente – novelas e minisséries – para estudar a construção da identidade nacional pela TV, além do intercâmbio com outras culturas, como a muçulmana, no caso da novela O Clone.
A coordenadora do núcleo confessa que esteve prestes a desistir de tudo. “Nos dias que se seguiram ao incêndio, achávamos que era o fim. Tivemos perdas irrecuperáveis, como o acervo de Ismael Fernandes, doado pela própria viúva, e um roteiro da primeira versão de Roque Santeiro em forma de cordel, sem falar em todo nosso banco de dados e estrutura de equipamentos.” Com o tempo, as pesquisadoras foram animando umas às outras, e começaram as buscas por cópias do material perdido. Graças à gentileza do Departamento de Música da ECA, o NPTN ganhou recentemente uma sala para guardar os equipamentos. “Chegamos à conclusão que valia a pena continuar, pois, se nosso acervo foi destruído, o conhecimento que produzimos persistiu.”