São Paulo (AUN - USP) - Está marcada para a próxima terça-feira (18) a estréia da mais nova montagem de Gota D'Água, peça musical escrita e composta por Paulo Pontes e Chico Buarque em 1975. O mérito é dos alunos do 3o ano da Escola de Arte Dramática (EAD) da USP, que a escolheram como uma das três peças de que têm de participar ao longo do curso. Os ensaios começaram em março, após a diretora Regina Galdino, premiada por seu trabalho nos também musicais Filhos do Brasil e Memórias Póstumas de Brás Cubas, ter aceitado o convite de participar do projeto. Faz parte da filosofia da escola trazer profissionais do mercado para seus projetos curriculares como forma de aliar produção artística à bagagem prática.
Regina narra sua relação com Gota D´Água como um caso de amor e paciência. Ainda quando cursava interpretação na EAD, a diretora teve seu primeiro contato com o texto, e o desejo de montá-lo surgiu de imediato. Só faltava uma boa oportunidade. Esta só apareceu numa breve parceria com a escola de teatro de Miriam Muniz, há quatro anos, e agora pôde realizar-se de fato. “A carga poética que cada frase carrega é uma coisa inacreditável”, diz ela, hoje, provavelmente com o mesmo entusiasmo de anos atrás. Regina também ofereceu Vestido de Noiva e Os Sete Gatinhos, de Nelson Rodrigues, mas para sua alegria os alunos da EAD preferiram mesmo a versão abrasileirada da Medéia de Eurípedes.
Na peça, a feiticeira grega transfigura-se na macumbeira Joana. Esta cai em desgraça quando vê seu amado Jasão – compositor do samba que dá nome à peça – trocá-la pela filha do rico locador de casas Creonte, cujas prestações oprimem toda a comunidade. No clímax da tragédia, Joana se mata junto com a prole, e tem seu corpo jogado às portas do casamento de Jasão. A diretora defende que a atualidade do texto se mantém intacta – “infelizmente” – por ser um retrato da injustiça social e moral que assolam o Brasil. “No final da peça, por exemplo, não há como não se lembrar do seqüestro de uma cigana em Campinas que terminou com o seu assassinato, em frente à própria casa”, diz Regina. “A violência continua aí, em suas diversas formas, e não podemos deixar de nos chocar com ela.”
A montagem também oferece, por outro lado, humor em doses generosas. As vizinhas, uma versão do coro grego que aconselha a protagonista, várias vezes se pegam fofocando animadamente sobre a vida alheia. Outro destaque é o gigolô Cassetão, que se sustenta, com certo desgosto, “servindo” uma viúva sexagenária. Esteticamente, o ponto forte do texto é traduzir o povo brasileiro sem ceder a estereótipos pitorescos ou marginais. Os diálogos são todos escritos em verso, mas fluem como uma conversa de botequim ou entre comadres.
Regina frisa a importância da palavra como característica fundamental do espetáculo. “Chico Buarque e Paulo Pontes criaram Gota D'Água num contexto de crise teatral, quando os diretores se consideravam as grandes estrelas da montagem”, diz. “Na época, tudo era excessivamente plástico e belo, e os atores quase que uma parte do cenário. Com esse texto genial, os dois conseguiram trazer de volta o valor da palavra e da interpretação.”
A opção pelo trabalho interpretativo se reflete na atual montagem, que é definida pela diretora como “de simplicidade franciscana”. O cenário se resume a duas paredes cobertas de roupas velhas, um praticável e os elementos essenciais de cada ambiente. A iluminação orienta o espectador pelo palco, que quase sempre está sustentando duas ou até três cenas simultâneas. O diretor musical Pedro Paulo Bogossian, vencedor do Prêmio Shell por sua contribuição em Filhos do Brasil, foi chamado para dar novos arranjos às canções.
A aluna Janaína Leite nunca havia participado de um musical nem se considera uma grande cantora, mas aprovou o trabalho da direção: “A Regina é bastante pragmática, vamos direto ao ponto na hora de resolver as cenas. E isso é um ótimo exercício para os atores, já que não é sempre que se podem gastar cinco meses só compondo o personagem”.
Gota D'Água estréia nesta terça, às 21h, e fica em cartaz até o dia 7 de julho.
De terça a sábado às 21h e domingo às 20h, no Teatro Laboratório da ECA/USP (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cidade Universitária, tel. 3091-4375).
Entrada franca.