São Paulo (AUN - USP) - Quando os primeiros japoneses chegaram ao Brasil, há cem anos, tiveram de transpor dificuldades com o idioma, a alimentação e a educação que aqui encontraram. Hoje, a história se repete, mas de modo inverso. Os brasileiros que vão ao Japão a trabalho em busca de melhores condições de vida, os dekasseguis, vivem situação análoga àquela vivida pelos imigrantes nipônicos no século passado. Foi pensando em avaliar esse diálogo cultural entre os dois países sob outra perspetiva que Luci Tiho Ikari desenvolveu um estudo da influência do lazer e fatores além do econômico na formação da comunidade nipo-brasileira. O trabalho foi apresentado recentemente no Simpósio Internacional Cultural entre Brasil e Japão, na USP, e é fruto de sua tese de Doutorado defendida na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP).
A investigação consiste em uma análise qualiquantitiva, que considera tanto as respostas dos 24 questionários e 20 entrevistas, com os relatos das experiências dos dekasseguis, quanto a incidência das mesmas respostas – além da bibliografia sobre o assunto disponível no País. "A partir de um momento que há respostas repetidas, há como medir quantitativamente", explica. Luci acredita que há experiências positivas consideráveis que as pessoas geralmente esquecem, mas que devem ser levadas em consideração. "Com cerca de 302 mil brasileiros [no Japão], passou-se a vender desde feijão, pó de café, verduras e legumes como chuchu, abobrinha", conta. Ela relata ainda a preferência pelos produtos brasileiros. "Muitos dos produtos citados têm o equivalente no mercado japonês, porém os brasileiros preferem comprar os importados do Brasil".
Dentre os pontos analisados, estão questões como participação em esportes, como futebol e aikido (arte marcial japonesa), em eventos culturais, como música e artesanato, e sociais, como karaokê e passeios. A pesquisa avaliou também os possíveis benefícios que os entrevistados poderiam obter dessas atividades, como melhorar o relacionamento familiar, descanso após horas de trabalho estafante nas fábricas e até se dekasseguis conseguiam se informar através do lazer.
A pesquisadora fez uma contraposição entre o imigrante japonês, que veio ao país e aqui ficou, e o migrante brasileiro, que vai ao Japão e retorna diversas vezes ao arquipélago. O trabalho apontou que inclusive os próprios japoneses sofrem influências na cultura e alimentação com a entrada dos brasileiros. "Alguns apreciam a comida brasileira oferecida no refeitório das fábricas japonesas, como feijão e arroz. Outros gostam de novidades, então vão aos restaurantes", relata. Luci comparou ainda o aumento das escolas brasileiras no Japão com o surgimento das associações japonesas no Brasil, tentativa de integração à sociedade brasileira, principalmente no pós-guerra.
Para ela, até então inexistiam pesquisas que levassem em consideração outros aspectos desse movimento migratório, como a educação informal. "Há palavras japonesas que foram incorporadas aos dicionários brasileiros. É uma influência que permanece pela vida toda", afirma. O contrário também ocorre, com incorporação de vocábulos em português aos textos nipônicos, como churrasco, farinha, feijoada, entre outros.
"Problemas sempre vão existir porque você tem uma população diferente em outro lugar", admite. Mas ela acredita que os brasileiros estão trilhando seus caminhos em terras japonesas de forma eficaz e benéfica. "Todas essas contribuições vão permanecer como importantes heranças culturais no país de destino, registrando a presença de brasileiros na história de migrações internacionais", conclui.