São Paulo (AUN - USP) - O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa já foi aprovado, mas ainda provoca muitas dúvidas, discussões acaloradas e mesmo fúria em alguns estudiosos da área. Ainda que o tema que venha sendo debatido desde a década de 80, e somente agora tenha entrado de vigência, não foram poucos os profissionais da escrita que se viram perdidos com o uso das novas regras.
Todos estes redemoinhos levaram o professor Maurício Silva, pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP e pesquisador do Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae para Estudos de Português (PUC-SP), a escrever O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O que muda. O que não muda, lançado pela Editora Contexto e de pretensões pontuais: Um guia didático, simples e direto, onde além de transcrever as novas regras na íntegra, dá exemplos concretos sobre o que muda e o que permanece na grafia das palavras.
Apesar do tom professoral, não se engane. Maurício se mostra também um crítico das mudanças efetuadas, segundo ele “desnecessárias, pois não cumprem os dois principais objetivos para as quais foram idealizadas: a simplificação e a unificação ortográficas” e continua: “É preciso entender a lógica de alguns fatos ortográficos para se avaliar a necessidade ou não do acordo. Ocorre que o acordo acaba se atrapalhando em alguns casos, resultando em algumas propostas vagas que nem simplificam, nem unificam. Veja o caso dos acentos diferenciais: o acordo prevê a eliminação de alguns deles, a manutenção obrigatória de outros e a utilização facultativa de outros. Cumpre perguntar, afinal, o acento diferencial é ou não é importante? Qual o sentido de um acordo que propõe, para um mesmo fato, três lógicas diferentes?”, questiona.
Mas, como sabemos, não é uma questão facultativa; o acordo já é uma realidade legal e prática, o que nos obriga a aceitá-lo e a conviver com ele, apesar das controvérsias. Estatisticamente falando, calcula-se que o novo acordo deverá interferir em mais ou menos 0,5% do léxico brasileiro e 1,6% do léxico português, num universo de mais de 200.000 palavras. Para se ter uma idéia do que isso representa, o Dicionário Houaiss, o mais completo que temos no Brasil até agora, possui quase 230.000 unidades lexicais. Já para o Novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia Brasileira de Letras pretende organizar a partir das mudanças propostas pelo acordo, está previsto um total de 340.000 verbetes.
Complicado? Pois Maurício aponta aquele que, por fim, ele acredita que será o maior vilão na adaptação de grande parte das pessoas ao novo acordo ortográfico: o hífen. “A questão aqui talvez não seja de quantidade, mas de qualidade: a reforma incide sobre um número pequeno de vocábulos, e em muitos casos são palavras de pouquíssimo uso. Certamente, o mais complicado diz respeito ao emprego do hífen, verdadeiro calcanhar de Aquiles do novo acordo. Há casos em que o hífen permanece como era antes; há casos em que desaparece das palavras; e há casos em que passa a existir, onde antes não existia. E o pior de tudo é que, em razão das indefinições e das lacunas do acordo, isso se torna ainda mais difícil, a ponto de, se consultarmos três ou quatro dicionários reformados, encontrarmos formas vocabulares distintas. Dou apenas um exemplo: as bases do novo acordo definem que alguns termos devem ser grafados de forma aglutinada (isto é, sem o hífen), caso os seus componentes tenham perdido, em certa medida, a noção de independência. Ora, o que quer dizer em certa medida? Para mim, a noção de independência está presente tanto em pára-quedas, quanto em guarda-chuva, sem falar em bate-boca, cabra-cega etc. E, no entanto, muitos relutam em grafar esses vocábulos sem o hífen. Daí o caos relativo que vivemos em termos de ortografia neste momento de transição”, finaliza.