ISSN 2359-5191

08/06/2009 - Ano: 42 - Edição Nº: 29 - Saúde - Faculdade de Ciências Farmacêuticas
Professora da USP aborda manipulação genética em palestra sobre doping

São Paulo (AUN - USP) - A aplicação da engenharia genética para potencializar artificialmente o desempenho de atletas é, atualmente, uma das maiores ameaças ao esporte. É o que afirma a professora Regina Lúcia de Moraes Moreau, que recentemente ministrou a palestra “Dopagem no esporte: dos cogumelos ao doping genético” na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Em março de 2009, a imprensa divulgou que a Universidade Alemã do Esporte (DSHS), de Colônia, conseguiu sucesso em testes com um exame contra o doping genético, que detecta uma substância capaz de aumentar o tecido muscular e melhorar a resistência, o GW1516. Trata-se de uma conquista pioneira na detecção desse tipo de dopagem.

Em sua abordagem a respeito de genética e esporte, a professora Regina cita o caso do esquiador Eero Mäntyranta. O atleta finlandês conquistou várias medalhas de ouro na década de 60 em competições de esqui, mas exames do seu sangue indicaram 15% mais de hemoglobina do que o normal. Na época, acreditava-se que Mäntyranta havia feito transfusão de sangue logo antes da competição, mas o atleta não foi desqualificado porque não havia provas. Mais tarde, descobriu-se que o caso do finlandês não estava relacionado a dopagem, mas sim a uma mutação rara que ele possuía em um de seus genes, responsável por uma produção de glóbulos vermelhos superior à normal. Apesar de não ser o caso de Mäntyranta, a manipulação da eritropoietena (EPO), um gene que estimula a eritropoiese (produção de glóbulos vermelhos, que transportam oxigênio para os tecidos do corpo), seria enquadrada no que atualmente chamamos de doping genético. A professora Regina conta que pesquisas com ratos e macacos já conseguiram com sucesso transferir uma cópia adicional do gene da eritropoetina, resultando no aumento da produção de hemácias, o que aumenta a capacidade de transporte de oxigênio para os tecidos.

A professora acrescenta que, em estudos em animais de experimentação, verificou-se que os músculos dos ratos em que foi injetado um vírus, com o gene que comanda a produção de IGF-1 (proteína que promove o crescimento muscular), cresceram em tamanho e força numa proporção entre 15 e 30 %. “Se esses ratos fossem submetidos a um programa de treinamento físico de 8 semanas, a sua força muscular duplicaria”, afirma.

Outro exemplo de alteração genética com efeito no desempenho físico é o bloqueio da miostatina. Regina explica que se trata de uma mutação genética natural que ocorre em touros no gene da miostatina (proteína que impede o crescimento muscular), com a formação de uma proteína não funcional que leva ao crescimento muscular desenfreado. A ausência da miostatina interfere também na deposição de gordura, tornando a carne desse tipo de gado extraordinariamente "magra". “Acredita-se que bloqueio da sinalização da miostatina seja um dos candidatos de maior potencial de abuso no esporte, já que o ganho de massa muscular pode ser decisivo em diversas modalidades esportivas”, diz a professora. Contudo, ela faz a ressalva de que a utilização de bloqueadores da miostatina com essa finalidade talvez ainda esteja um pouco distante. A explicação é que os estudos com bloqueio da miostatina envolveram animais transgênicos, ou seja, eles não produziam a proteína desde o início de seu desenvolvimento.

A professora explica que a partir do século XX, o ideal olímpico segundo o qual “competir é mais importante que vencer” esvaziou-se de sentido. “O esporte passou a ser usado como demonstração de supremacia política e promoção de formas de governo”, diz. Em 2003, foi criado o Código Mundial de Antidopagem, com a finalidade de se unificarem as políticas de controle de doping em âmbito nacional e internacional. Um dos casos mais recentes de dopagem no esporte entre atletas brasileiros é o da nadadora Rebeca Gusmão. Em 2007, quando participou dos Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro, ela recebeu o resultado de teste positivo para esteróides anabolizantes e teve que devolver as medalhas que havia conquistado na competição. Rebeca ficará sem competir até julho de 2010.

A “lista proibida” que vale em 2009 contém, entre outras substâncias, os agentes anabólicos, hormônios, broncodilatadores (que ajudam a respirar e têm efeito anabólico), estimulantes, narcóticos e canabinóides. Os diuréticos também fazem parte desse grupo: além do poder de diminuir o peso de um atleta para que ele possa se enquadrar em determinada categoria competitiva, eles também servem como agente mascarante, dificultando a medição de doping pela urina, já que são diluidores. Os expansores de plasma são exemplos de agentes mascarantes. A professora explica que eles são usados para aumentar o componente fluido do sangue, o que dilui a concentração de drogas proibidas no sangue dos atletas.

Regina dá outro exemplo desse tipo de substância. O Probenecid faz com que a substância ilegal vá sendo reabsorvida pelo corpo do atleta e eliminada aos poucos, sem ser detectada por exames. “Mas já existem métodos analíticos para a determinação de Probenecid, que são realizados na urina do atleta”, diz a professora. Se o exame der positivo, é considerado doping.

Não é possível dizer qual é a substância ilegal mais usada atualmente para potencializar o desempenho físico, segundo Regina. “Depende da modalidade esportiva”, afirma. De maneira geral, ela cita os esteróides anabólicos, que são usados para o halterofilismo, fisiculturismo, atletismo, e estimulantes, utilizados por ciclistas e jogadores de futebol.

A professora, que está ligada ao Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, já conduziu algumas pesquisas a respeito do controle de dopagem no esporte relacionadas ao desenvolvimento de técnicas de identificação de diuréticos, esteróides anabólicos e efedrinas.

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