São Paulo (AUN - USP) - O curso ‘O cronista Gabriel Garcia Marquez’ promovido pelo Centro Ángel Rama da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) versa sobre a importância da prática jornalística para a criação literária do autor, assim como sobre a influência de seu trabalho jornalístico em sua literatura.
Decorrência do trabalho de mestrado da pesquisadora Joana de Fátima Rodrigues, o curso tem como principal foco a leitura das crônicas e sua contextualização no cenário da América Latina que vai dos anos 80 a 84 que, segundo a pesquisadora, “é um momento muito específico em que há um número absurdo de golpes militares, muitos assassinatos e mortes e como ser político que é, Gabriel Garcia Marquez, um intelectual do seu tempo, promove a discussão e a reflexão política, com uma ligação muito forte com a América Latina e, em especial, com a Colômbia. Ele traz isso para as crônicas”.
O curso era primeiramente destinado a professores principalmente da rede pública. Mas segundo a professora, “o publico tornou-se heterogêneo, englobando professores de literatura, de língua e muitos leitores”, destacando uma possível ressonância do curso para a sociedade: “existe uma esperança remota de que um dia esses textos possam vir a ser trabalhados e lidos em sala de aula”.
Uma boa amostra da análise dos procedimentos ‘literários’ presentes no trabalho do cronista são as considerações feitas pela pesquisadora, em seu mestrado, sobre a crônica ‘Si: ya viene el lobo’, em que Marquez faz uso da fábula para representar metaforicamente as forças políticas dos EUA (como o lobo), então na iminência de invadir a Nicarágua.
O início da crônica seria um lead em que as clássicas perguntas do jornalismo são substituídas por “Quem é o lobo? Quando vem o lobo? O que faz o lobo?”, daí por diante. Fica explicitado, portanto, o dito trabalho de “carpintaria” que, segundo a pesquisadora, é marca registrada de Gabriel Garcia Marquez, neste caso, denotados pelo apuro na escolha do léxico e das construções que buscam estabelecer paralelos com o procedimento das fábulas. Dessa forma, o cronista começa um parágrafo com um ‘hace unos meses’ análogo a um ‘era una vez’, tão comum ao gênero fabular.
As análises passam por diversas produções e desembocam em considerações sobre o papel da crônica e do lugar do cronista na América hispânica e constatam que, nesses países, estes papéis coincidem, quase sempre, com o de grandes nomes da literatura.
A crônica, gênero híbrido que conjuga subjetividade e realidade, por vezes tem o caráter de testemunho de um tempo, mas como assinala a pesquisadora, em sua dissertação: “Ao atuar sem limitações de espaço e tempo, a crônica carrega em sua capacidade literária um traço que supera as intempéries, conservando-se como uma obra estética”.