São Paulo (AUN - USP) - Estimular o ingresso e a permanência de cidadãos negros na universidade. É esse o principal objetivo do projeto “Dez vezes Dez” que faz parte do Programa de Pesquisa, Ensino e Extensão em Relações Étnicas e Raciais do Departamento de Sociologia da USP.
O projeto, que já está no seu segundo ano, nasceu de uma pesquisa ligada à discriminação racial na contratação de funcionários em empresas paulistanas e acabou migrando para uma área mais ampla e pouco explorada na pesquisa acadêmica: os estudos sobre a questão racial, principalmente negra, no Brasil.
Oferecendo, anualmente, dez bolsas para estudantes negros ou que tenham interesse no desenvolvimento de uma consciência política negra, o projeto visa a ampliar tanto a pesquisa sobre a história e cultura do povo afrodescendente no país - valorizando essa contribuição que parece ser forçosamente colocada de fora da história “oficial” -, quanto dar uma oportunidade para o surgimento de pesquisadores negros ou de interessados na valorização dessa identidade, que são raríssimos na academia. Outro aspecto importante no projeto, segundo seu coordenador, professor Antônio Sérgio Guimarães, é a possibilidade de “alavancar estudantes que normalmente vieram de escolas públicas e têm uma formação deficiente, para que possam pleitear uma bolsa de iniciação científica em pé de igualdade com outros concorrentes posteriormente”.
Com o intuito de sensibilizar a comunidade acadêmica para o tema da questão racial, são organizados eventos periodicamente, que variam entre palestras, debates e apresentações de filmes, sempre contando com a presença de personalidades envolvidas na valorização da identidade negra. Já foram contemplados assuntos como a música, a literatura, a história oral, os bailes e o cinema negro.
Um dos expositores nessas palestras foi o cineasta Carlos Cortez, cujos filmes “Geraldo Filme” e “Seu Nenê” são considerados “clássicos” pelo Movimento Negro, destacando a história de dois expoentes do samba paulistano: a dos compositores Geraldo Filme, da escola de samba Vai-Vai, e de Seu Nenê de Vila Matilde. Segundo Cortez, a questão das raízes do povo afrodescendente, principalmente em São Paulo, é muito pouco abordada no cinema. O cineasta destaca a importância da universidade no papel de enriquecer os estudos sobre a cultura negra: “muitas das manifestações culturais genuinamente negras no Brasil estão se perdendo e a universidade seria o local ideal para o resgate e o registro de toda essa riqueza. Hoje em dia já não se sabe mais jogar o tiririca (uma espécie de capoeira “sambada”), por exemplo. Além disso, há de se discutir meios de se valorizar a cultura dessa parcela da população brasileira e a universidade pode contribuir nesse sentido.”
Se depender do estímulo dos pesquisadores de “Dez vezes Dez”, essa meta será cumprida. O próprio nome do projeto já vem dessa tentativa de fazer do negro e de sua história agentes respeitados no meio acadêmico e político de uma nação: “dez vezes dez” era o plano do líder do Movimento Negro americano, W. E. B. Du Bois, no começo do século XX, que consistia em, a partir da formação e da transformação de dez intelectuais afrodescendentes nos melhores das universidades, poder levar a luta dos negros a um patamar de destaque nas sociedades em todo o mundo, com a “multiplicação” desses dez pensadores iniciais, ou seja, os primeiros influenciariam outros dez e esses, outros dez e assim por diante. Resta agora a torcida para que essa progressão geométrica atinja finalmente o ideal almejado.